30.6.10

Puizia

Passei no blog do Pedro e li isso aqui:

Haikão de segunda

Penso em vão...
Quantas doses de transgressão
podem salvar uma instituição?

Daí me lembrei disso aqui:

Dias de afã e frenesi
fudendo homens magros e a cabeça pelas noites

O amor apareceu e foi quase banal
foi como se fosse normal aquele olhar entre os passantes
como se houvesse ainda cavalo e, portanto, rédeas
quando na verdade era tudo já galope, disparada

Pode conter mais tremor o caseiro que o mundano?
pode o veneno habitar o lar?
cabem certezas na inquietude?

O amor é jangada de pedra,
ilha desconhecida
barco sempre à deriva

Se pode gritar "terra à vista!"
mas não pisar lá - terra firme
o amor é navegar

(poema nascido na última hora antes de publicar o Bendita Palavra, que entrou lá no finalzinho do livro)



20.6.10

Inicio e queixo

Foi ali que tudo comecou, minha vida de dizer poesia, muito antes de começar a escrever os meus próprios poemas. O Pedro Cezar, meu amigo muito querido, estava lá também, como aluno da segunda turma de oficinas de poesia falada que a Elisa Lucinda já dava em várias viagens pelo Brasil, mas nunca tinha dado no Rio. Dali nasceu a Escola Lucinda de Poesia Viva, que nessa época funcionava na casa da Elisa, no Leblon.

Essas duas turmas iniciais viraram um grupo, o Te pego pelo verso, que fazia recitais de poetas que a gente amava. Todo esse momento foi registrado pela camera do Pedro e da Paula Fiúza, e virou esse documentario incrível sobre um momento muito especial da minha vida, onde nasceu a poeta que eu sou hoje. A Elisa fala ali sobre o desejo de formar um mercado de trabalho, e eu me orgulho de hoje, mais de dez anos depois, ter publicado dois livros, dois cds de poesia, e ganhar cachês pra me apresentar dizendo meus versos por aí.

A cereja do bolo é o registro luxuoso do recital de Fernando Pessoa que a gente fez no Consulado de Portugal e que foi palco da incrivel pegada no queixo da qual eu falo no post ali embaixo. Muito obrigada à Paula e ao Pedro pela chance de reviver aquela noite linda. Mas a pegada no queixo vive só na memória, e que delícia, uma lembrança só minha com o Saramago...

PARTE 1





PARTE 2

18.6.10

Perdi

Ele não vai mais ler meu livro. Nunca mais vai segurar meu queixo e falar com sotaque que é uma beleza me ouvir dizer os versos de Pessoa. Não vai lancar novos livros que eu compraria depressa e leria com calma, adiando as ultimas páginas porque sabia que levaria ainda um ano ou mais pra sair o próximo. Não vai ter proximo, e eu vou gastar noites relendo as histórias de Blimunda comendo pão de olhos fechados pra não ver dentro do seu amado, e Joana Carda com sua vara de negrilho partindo o chão da Península Ibérica, e a mulher do médico enxergando por todos os cegos, e a morte que pediu autos numa cidade qualquer, e Jesus numa conversa dura com deus e o diabo numa canoa no meio do mar, e Caim revoltado com a injustiça divina.

Por causa dele perdi um voo em Los Angeles sentada na frente do portão de embarque, mergulhada em não sei qual livro. E os exemplares que restam do substantivo feminino, que eu justifico guardar pra "se um dia o Saramago vier aqui em casa", perderam seu leitor mais importante.

Nunca pensei que houvesse em mim lágrimas por alguém impálpavel, longe do alcance da minha mão. Mas se ele me pegou pelo queixo naquela noite em Botafogo, eu menina de coque e colar de muitas voltas, nervosa de dizer com meu sotaque carioca os poemas que ele devia conhecer há tão mais tempo, ele me pegou pelo queixo como avô, como mestre, e eu nunca deixei pra lá esse momento. Em tudo que eu escrevo ele vive, em tudo que eu leio e me toca o toque dele esteve antes.

É sexta-feira de sol, a Sérvia ganhou da Alemanha, meu amor saiu cedo pro trabalho e eu arrumo a casa de camisola e meias. A vida segue seu curso, mas mais triste. E a dor de cabeça leve que vai vir das lágrimas que agora correm vai me lembrar o dia todo, na reunião, no almoço, no encontro com os amigos, que não tem mais ele no mundo real. Que bom que tem no meu.

2.6.10

SMS

Meia-noite e cinco, acaba o filme no dvd, nos levantamos do sofá preguiçosos e ainda envolvidos pelas histórias da gente que vivia na tela, toca o aviso de mensagem no celular. Não é hora de recados, em geral, e o que eu leio confirma o caráter nada habitual do acontecimento: "Obrigado, por me ensinar a amar o papel em branco e a caneta." O número é desconhecido, a mensagem não tem remetente e eu não respondo mensagens de desconhecidos.

Vou dormir e só me lembro de novo da mensagem agora de tarde, e aí reparo que além do celular tem um DDD, 87. Isso é Pernambuco, mas não é Recife, é interior. Me espanta e me alegra que em algum desses lugares, tão longe de onde eu vivo e das livrarias que vendem meus livros, alguém me descubra, me leia, se encante, e queira me dizer isso.

Confesso que esperaria receber esse recado por email, ou mensagem aqui no blog. Que alguém em algum desses lugares, tão longe de onde eu vivo e das livrarias que vendem meus livros, tenha meu número de telefone me assusta um pouco. São tempos estranhos, em que uma rede invísivel nos espalha democraticamente ao mesmo tempo em que nos tira um tanto de privacidade, e é esquisito quando acontece com a gente. Na tentativa de ser pública e discreta, acho que ando conseguindo um bom equilíbrio, mas às vezes a corda balança e a gente não sabe bem de onde veio o sopro. Que seja um sopro doce, então.