28.12.11

Would you like to peel a tomato?


Nunca vi esse filme todo, mas amo essa cena. Loucura, ternura, humor, doçura, e o olhar de doida desesperada dela no abraço final, além da frase mais insana que se pode imaginar.

Isso não é um maldito poema

Splash (Bukowski)

the illusion is that you're simply
reading this poem.
the reality is that this is
more than a
poem.
this is a beggar's knife.
this is a tulip.
this is a soldier marching
through Madrid.
this is you on your
death bed.
this is Li Po laughing
underground.
this is not a god-damned
poem.
this is a horse asleep.
a butterfly in
your brain.
this is the devil's
circus.
you are not reading this
on a page.
the page is reading
you.
feel it?
it's like a cobra.
it's a hungry eagle
circling the room.

this is not a poem.
poems are dull,
they make you
sleep.

these words force you
to a new
madness.

you have been blessed,
you have been pushed
into a blinding area of
light.

the elephant dreams
with you
now.
the curve of space
bends and
laughs.

you can die now.
you can die now as
people were meant to
die:
great,
victorious,
hearing the music,
being the music,
roaring,
roaring,
roaring.


a ilusão é que você tá simplesmente
lendo esse poema.
a realidade é que isso é
mais que um
poema.
isso é uma faca de um pedinte.
isso é uma tulipa.
isso é um soldado marchando
por Madri.
isso é você no seu
leito de morte.
isso é Li Po gargalhando
embaixo da terra.
isso não é um maldito
poema.
isso é um cavalo dormindo.
uma borboleta no
seu cérebro.
isso é o circo
do diabo.
você não tá lendo isso
numa página.
a página tá lendo
você.
tá sentindo?
é como uma serpente.
é uma águia faminta
circundando o quarto.

isso não é um poema.
poemas são chatos,
te fazem dormir.

essas palavras te forçam
a uma nova
loucura.

você foi abençoado,
você foi empurrado
pra uma
área de luz
cegante.

o elefante sonha
com você
agora.
a curva do espaço
entorta e
ri.

você pode morrer agora.
você pode morrer como
as pessoas deviam
morrer:
grandes,
vitoriosas,
ouvindo a música,
sendo a música,
rugindo,
rugindo,
rugindo.

A polonesa #3

A vida na hora (Wislawa Szymborska)

A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.

De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.

Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.

Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado -
eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.

Isso é justo - pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estrela.
E o que quer que eu faça,
vai ser transformar para sempre naquilo que fiz.

27.12.11

Ainda ela

Agradecimento (Wislawa Szymborska)

Devo muito
aos que não amo.

O alívio de aceitar
que sejam mais próximos de outrem.

A alegria de não ser eu
o lobo de suas ovelhas.

A paz que tenho com eles
e a liberdade com eles,
isso o amor não pode dar
nem consegue tirar.

Não espero por eles
andando da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdoo,
o que o amor nunca perdoria.

Do encontro à carta
não se passa uma eternidade,
mas apenas alguns dias ou semanas.

As viagens com eles são sempre um sucesso,
os concertos assistidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens claras.

E quando nos separam
sete colinas e rios
são solinas e rios
bem conhecidos dos mapas.

É mérito deles
eu viver em três dimensões,
num espaço sem lírica e sem retórica,
com um horizonte real porque móvel.

Eles próprios não veem
quanto carregam nas mãos vazias.

"Não lhes devo nada" -
diria o amor
sobre essa questão aberta.

26.12.11

A poeta favorita do momento

Entre muitos (Wislawa Szymborska)

Sou quem sou.
Inconcebível acaso
como todos os acasos.

Fossem outros
os meus antepassados
e de outro ninhi
eu voaria
ou de sob outro tronco
coberta de escamas eu rastejaria.

No guarda-roupa da natureza
há trajes de sobra.
O traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e é usado sem reclamar
até gastar.

Eu também não tive escolha
mas não me queixo.
Poderia ter sido alguém
muito menos individual.
Alguém do formigueiro, do cardume, zunindo no enxame,
uma fatia de paisagem fustigada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
algo que nada debaixo da lente.

Uma árvore presa à terra
da qual se aproxima o fogo.

Uma palha esmagada
pela marcha de inconcebíveis eventos.

Um sujeito com uma negra sina
que para os outros se ilumina.

E se eu despertasse nas pessoas o medo,
ou só aversão,
ou só pena?

Se eu não tivesse nascido
na tribo adequada
e diante de mim se fechassem os caminhos?

Poderia não me ser dada
a lembrança dos bons momentos.

Poderia me ser tirada
a propensão para comparações.

Poderia ser eu mesma - mas sem o espanto,
e isso significaria
alguém totalmente diferente.

24.12.11

Manhã



"Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar.
Não há manhãs sobre cidades ou manhãs sobre o campo.
à hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes
Seja ela a invasora lenta das ruas da cidade que vão leste-oeste
Seja"
                                                                              ("Acordar", Álvaro de Campos)

19.12.11

Ornitorrinco #20 - tiau 2011


OLHA LÁ

oito fragmentos, duas citações, algumas dicas & um poema

1. eu sou aquela que tem calma
    gasto a pele do canto das unhas mais do que doses de uísque
   
2. O "pelo menos" é embaixo, o "ainda por cima" é mais.
     O "pelo menos" é só  consolo.
     O "ainda por cima" é o sim ao quadrado, é alegria sobre alegria, 
     é o bom que não cabe num só fato.
     O "pelo menos" é cesta básica.
     O "ainda por cima" é camembert, e eu mereço esse luxo.

3. é aceitar o risco pra voar mais alto
    é andar sobre brasas pra não pisar em ovos
    é o inimaginável pra chegar no tão sonhado

4. a casa da saudade é a pessoa

5. porque não é justo que eu só reaja
    (não comigo, ser de testa e tetas)
    (não contigo, ombro macio, garras)
    porque é assim devo domar meu medo
    anti-domar-me
    devo ser selvagem

6. eu não fujo mais de nada
    mas não mergulho na piscina de desespero
    eu sento na beirada e espero a dor chegar

7.   estar sozinha é lindo e calmo
      e talvez seja a coisa mais distante do mundo da solidão
      essa formiga que pica o peito e joga a gente pra ser triste na rua

8.   todo o tempo do mundo em que se amou alguém vai doer um dia
       cada palavra, cada segundo
       eu prefiro essa dor - longe, longe, muito longe
       eu quero essa dor do amor demais
       eu quero a inevitável dor do fim - mais, muito mais
       que a infinita dor do não

&

1)  "É tão humano transformar uma liberdade em dor
      e é tão doce quando a vida vem te ensinar sofrimento te dando uma escolha,
      e você roda e gira nas pequenas chamas da possibilidade.
      - Mas é assim que você constrói seu castelo."  (Tony Hoagland)

2) "Eu tenho tido a alegria como dom e em cada canto vejo um lado bom"  (Mallu Magalhães)

&

*** 2011 ficou bem melhor com Everton Behenck, Letuce, Adrienne Myrtes, "Pitanga" da Mallu, Fernando Maatz, Elizabeth Gilbert, "Grande sertão: veredas", Drummond, Tony Hoagland, o "Faceiro&Fascinante" da Bruna Beber, Gabriel Pardal e esse Ornitorrinco.

&

"Se a vida te der um presente, aproveita"
Ela tem me dado vários, entre porradas e passos de dança
Eu mastigo tudo em movimentos concêntricos
Depois bebo chá quente pra digerir

É manhã de quinta-feira e chuvisca no bairro da Gávea
No Japão a radiação chega a Tokio e mergulha a cidade no medo
No meu coração a esperança sacode fitas coloridas
Meu coração é olimpíadas e meninas de malha justa em saltos perigosos e belos

A vida é cheia de sortes e de "como é que isso foi acontecer meu deus"
Tem até breves e adeuses
Tardes de sustos e noites iluminadas

Ela é boa pra mim e eu gosto dela
É pra ela que eu rezo toda noite
Pra ela eu peço e agradeço
Porque eu tô viva, porque eu sinto

E se às vezes é dor outras é esperança
Esse bombom alado cheio de sonhos no recheio
Pássaro transparente com a minha alma no bico
Esperança, esperança, eu te quero, eu te recebo, vem

 
Recadinho do editor:
O ano está acabando, estamos preparando a última edição do ORNITORRINCO de 2011 [#020], e pra você que perdeu algum número, colocamos todas as edições publicadas no nosso site. Pra quem já leu, vale a pena ler de novo.

Quem é de facebook e fica afim de participar do nosso grupo de discussão e novidades aleatórias, é só curtir a página do ORNITORRINCO 

No próximo domingo [ou seja, no que passou] estaremos enviando a última edição do zine deste ano VINTEONZE. Agradecemos à todos os 200 assinantes pela leitura, participação, colaboração, divulgação, compartilhamento e outros amendoins. ORNITORRINCOé um zine de texto, tocado pra frente de forma independente pelo grupo NOMEDACOUSA. Os colunistas merecem entrada franca em todos os churrascos. O editor merece ticket pro Paraíso, mais acompanhante de sua escolha.

Para 2012 estamos preparando algumas surpresas para os assinantes. Especialmente para o aniversário de 1 ano do nosso bicho. Aguarde que vai ser um carnaval.

VAMOQUEVAMO

Todos os objetivos são loucos.

-
Gabriel Pardal
Editor

-- 
--
NOMEDACOUSA - brinquedos&bombas
http://www.NOMEDACOUSA.com

15.12.11

Hoje sim #3



Dores vieram e foram.
Outras apareceram.
A alegria ainda reina majestosa sobre todos os seres que eu sou.
Lucas cantando essa música do Fabio Lima com o Letuce sempre me emociona.
E aquele poema do Drummond diz as palavras definitivas sobre a perda.
Mesmo assim eu escrevi. De outro jeito. Do meu.
E hoje voltar ao palco do CEP com um nome na tela do celular e tantas emoções no peito fez tudo derramar em poesia e imagem e voz. Aqui.
Hoje sim #3.
Que bom que hoje sim.

10.12.11

No cafofo da poesia

E de repente no meio do sábado silencioso e nublado, entre pantufas e travesseiros, chega um email avisando que você é a poeta homenageada num blog super bacana. Aí você se espanta, vai lá, lê, fica feliz, sorri, e agradece. Depois espalha, né? Aqui ó:



7.12.11

Duas Irenes, eu e a literatura

"A primeira vez em que eu me apaixonei eu amei tanto essa paixão que disse não quando o garoto quis me namorar. (...) O que eu sabia era que havia poesia em me manter entrincheirada na janela de minha sala de aula olhando para ele. O resto era prosa. Miolo de pote."
"Eu esperei dela o que eu me daria, mas ela foi mais generosa que eu."
"Odeio gente gentil. Gentileza não é coisa natural, é sem princípios. Gentileza é invenção de vendedor. Valorizo gente verdadeira. E a atenção e o cuidado que se enraízam em sentimentos deixam de ser gentileza. São: atenção e cuidado. Verdade."
"Eu teria dado, de bom grado, dinheiro. Se tivesse trabalho. Eu teria dado a chave do carro. Se tivesse uma porta pra abrir. Eu teria dado uma caixa de bombons. Se tivesse tempo. Eu teria dado amor. Se tivesse."

(Adrienne Myrtes em Eis o mundo de fora)


"Como descrever o amor, o amor que acontece de forma exagerada, amro sem limite, amor sem razão, o amor enlouquecido? Sim, os sentimentos do mundo não cabem em palavras. Tentamos de fato esticá-las, decerto tentamos moldá-las, mas elas, as palavras, teimosamente, elas não nos acompanham - a paixão, dois jovens na estação de metrô, rapidamente nós os vemos, eles se beijam, impossível descrever com palavras aquele instante de paixão, o trem parte, eles ficam na estação, impossível, imagens rápidas, as palavras não dão conta das imagens, as palavras não dão contado abstrato, as palavras, senhores, as palavras não dão conta da vida - descrever o amor, impossível: as palavras não acariciam, não tocam a língua, não se esfregam, não gemem. As palavras não gozam."

(Nilza Rezende em Bocas de mel e fel)


Quatro mulheres. Nilza. Adrienne. Duas Irenes. Não, cinco. Eu, Maria, também. Adrienne e Nilza escreveram. Durante anos, em silêncio, com técnica, com paixão, se derramando, pensando, sentindo, com esforço, com prazer, vencendo dificuldades, libertando segredos, inventando vidas. Eu, Maria, li. Agorinha, esses dias. E me espantei com o que li. Literatura. Histórias e linguagem se enroscando daquele mais delicioso jeito. Prosas diferentes, com gosto próprio, ritmos que te pegam pela mão e te guiam pelas páginas. Cada uma com o seu. 

E de repente o espanto: serão duas Irenes? É possível isso? Era. É. Histórias tão diferentes, uma mulher refém das convenções sociais, dividida entre dois homens, outra mulher rompedora de regras revisitando dores numa visita à família. Duas mulheres que não sabem viver o amor. "O amor e eu não fomos feitos um pro outro", diz a Irene de Adrienne. "O amor não é tudo na vida, respondi como se precisasse sempre sujar a alegria", diz a Irene de Nilza.

Em Bocas de mel e fel quem comanda é ela, Irene. É por ela que sabemos deles, Antônio, Pablo, é ela que nos conduz. Eis o mundo de fora tem duas vozes: Irene e Luis. Ela dura, prática, ele derramado, intenso. Cada um com seu tempo, com suas tramas, seus pontos de vista, e assim vamos navegando entre versões, bocados de história aqui e ali, pela boca de um e de outro.

Dois romances que me tiraram do prumo. Nilza é minha tia, e eu conheço muito e adoro sua literatura vertiginosa e desmedida, desde o incrível "Um deus dentro dele, um diabo dentro de mim", que me tomou de assalto quando foi lançado. Adrienne foi presente pernambucano, companheira de Mostra Sesc de Literatura Contemporânea mês passado, e foi com genuíno espanto que devorei seu livro em tardes e noites de hotel e anotei suas frases - quase versos - no caderno de anotar coisa boa no voo de volta pra casa. 




Nilza. Adrienne. Duas Irenes. Antônio, Pablo, Luis. Misturem-se com essa gente. Bagunça a cabeça e dá um direto de esquerda no peito, às vezes, mas como é bom sentir assim, livro na mão, letras nos olhos, admiração e espanto bom.

4.12.11

Jantando com Pessoa


Pros amantes da poesia dele e de comida da melhor qualidade, semana que vem tem repeteco do imperdível "À mesa com Fernando Pessoa": eu nos poemas, Ana Maria Roldão nas panelas e na história dele, com vinhos pra completar o festim! Vai ser 3a feira, dia 6, às 20h, e ó, tem que fazer reserva! Mal posso esperar pra dizer poemas lindos comendo muito bem, melhor impossível!

3.12.11

Sem Gelo

Fernanda D'Umbra diz coisas. As coisas. De um jeito que. Eu leio e fico ali, lendo. Coisas como: "EU LEVANTEI DA FRENTE DO COMPUTADOR como quem vai embora para sempre > faço isso quando vou voltar: faço uma cara de quem está indo embora para sempre > fiquei parada olhando meu pé e sentindo ciúme da mulher do barzinho > não frequentava mais bares por ordem judicial e andava já cansada de ver como você ia se virar diante de trinta e duas doses de paciência e abandono > parei de olhar meu pé e me pus a olhar a rua > chovia canivetes > peguei três e guardei na bolsa."

28.11.11

Ornitorrinco #18

Eu, Maria, em 15 de novembro de 2011, às 23:12, estou em casa - Gávea, Rio de Janeiro, Brasil - escrevendo. Isso agora. Às 23:11 eu lia emails. Às 23:08 eu via tv. Às 22h36 eu servia sorvete de café crocante num potinho pequeno de cerâmica azul que foi presente de uma das minhas pessoas preferidas no mundo, e às 22h38 eu comia o sorvete com uma colher de chá economizando os crocantes. É noite de um dia cinza e choveu com vento forte mas parou logo. Ontem fez calor e à noite eu chorei com gritos e soluços como nem lembro mais quando. Ontem teve Tylenol, Kleenex e Sorine, telefonema internacional, telefonema logo ali de Ipanema e palavras de conforto em mensagens digitais. Escrevo no quarto de hóspedes, que já foi escritório de outra pessoa preferida e seria (será?) quarto de bebê, na mesa e na cadeira onde outro corpo sentou tantas e tantas noites, mas não no mesmo teclado. Me impressiona a capacidade de reinventar a vida. Me impressiona a minha. Me espanta e me agrada o meu compromisso com a alegria, o meu desejo do bom. Secar lágrimas e dançar na cozinha. Tem ansiedade, tem dor, tem incompreensão, a vida. Mas tem muito mais mão dada, música, sorriso, cobertor. Outro dia uma das minhas pessoas preferidas dizia com olhos brilhando que eu era a melhor coloridora de figuras em preto e branco com pilot em álbuns de capa mole e páginas de papel grosso. Esses dias eu falei entre lágrimas de emoção e alegria no casamento dela. No dia em que alguém ler isso eu terei 33 anos pela primeira vez. Às 23:24 de 15 de novembro de 2011, em casa, na Gávea, Rio, Brasil, eu, Maria, escrevo e sinto. Eu, Maria, não me canso nunca de sentir.

(A edição #18 saiu domingo passado, mas ai, era meu aniversário e eu fiquei de cama e aí vim pra Recife e passei batida por esse texto que eu tanto gostei de escrever. O tema/título era "Você está aqui agora" e ficou demais a revista toda começando por "Eu, ..., em ..., às ..., estou em ... fazendo ...". Muito doido ver a ordem em que cada um escreveu e que idéias loucas passaram pelas cabeças com esse mote tão livre. Ficou massa. (sim, agora tô pernambucana, visse?). 

ORNITORRINCO é uma publicação independente realizada pela fábrica criativa NOMEDACOUSA_BRINQUEDOS&BOMBAS ®.
Se quiser assinar pra receber na sua caixa postal basta enviar um e-mail para nomedacousa@gmail.com 

25.11.11

Leia na minha camisa

 ♥ ricifi 








tô de frente pro mar
já vi meu poema pendurado na parede
já jantei com marina e affonso
já andei na praia
já almocei com chacal
já fiz roteiro de recital na piscina



ainda vou andar pelo centro
subir as ladeiras de olinda
comer tapioca e macaxeira
ver mariana e antônio
e falar quase uma hora de poemas pra ouvintes que repararão no meu sotaque



ai, recife, não é à toa que eu volto sempre
seis visitas e não me canso
meu nordeste particular...

22.11.11

Recital no Recife


Passar quatro dias em Recife vendo e ouvindo Marina Colassanti, Chacal, Marçal Aquino, Alice Ruiz e outros escritores bacanas na II Mostra Sesc de Literatura Contemporânea, gastando os dias em andanças por essa cidade que eu amo, já seria um bom programa.

Fazer isso e ainda ter o privilégio de encerrar 
a mostra falando meus poemas, é luxo só! Sábado, 26/11, às 21h, no SESC Santa Rita. Vai ser um recital de quase uma hora, com muitos poemas novos, vários dos livros substantivo feminino e Bendita Palavra, além de uma seleção dos meus poemas favoritos de poetas incríveis como Adélia Prado, Manoel de Barros, Drummond, além dos pernambucanos Manuel Bandeira, João Cabral, Ariano Suassuna...

Quem for de ou estiver em Recife apareça! E quem quiser me levar pra passear nessa temporadinha-delícia me escreva!

20.11.11

os 33

"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde" (Guimarães Rosa)

5:21 de sábado pra domigo, madrugada de uma noite especial. Há exatas 24h eu suava na cama na febre de uma amigdalite vinda diretamente da infância, dor da qual eu já nem lembrava, desconforto quase inédito não tivesse sido tão frequente há anos atrás. Era véspera dos meus 33 e meu corpo cobrava a conta das emoções de um ano doido, um ano doído, um ano insuspeito. Quem diria que 2011 seria assim? E quem diria que eu chegaria hoje, 20 de novembro, de vestido branco girando ao som de músicas da adolescência, rindo na cara da tristeza, agarrada na saia da alegria?
Ao meio-dia era impossível comer, falar. À meia-noite eu só fazia dançar. Dançar e rir e abraçar. Teve antibiótico, antiinflamatório, remédio pra febre e dor, mas eu surfei foi na energia amorosa de tantos amigos, e só quando o último foi embora a garganta voltou a doer, devagarinho, silenciosa, como quem se envergonha de incomodar moça tão predisposta à alegria.
Dois parágrafos terminando com alegria. Ia escolher uma palavra pra trocar mas a escrita é mais sábia que eu às 5:31 da madrugada. Alegria, alegria. Duas, três, três mil vezes. Eu quero.
Deito pra dormir na casa que já foi minha e onde eu e minha garganta inflamada fomos acolhidas há dias atrás e a cabeça não para. Rezo pra vida e quase só agradeço: obrigada pela saúde, pela família, pelo afeto, por ter um trabalho e ter talento, pelo otimismo e pela capacidade de reinvenção, pela rede de proteção, pelos amigos incríveis, pela beleza que eu achei pra mim, pelo amor que eu dou e recebo, pela possibilidade de me cuidar e me deixar ser cuidada, pela saúde, pela sorte. E termino com os pedidos, hoje só dois: saúde&sorte, pra mim e pros que eu amo.
A vida sabe ser boa e eu sei aproveitar.


11.11.11

Ornitorrinco #17 - Bufunfa


OLHA-LÁ



Tem muita coisa que eu não entendo sobre dinheiro, a saber:

I.      Como ele pode ser tão relativo (cruzeiro, cruzado, real) e absoluto (ovo, cama, água, sabão).
II.    Como pequenas despesas variadas podem somar R$2.549 na conta do cartão.
III.  Como tanta gente vive com tão pouco - haja imaginação!
IV.    Como tanta gente vive com tanto - haja imaginação.

Mas o que mais me intriga é:

Por que cargas d'água é feio falar sobre dinheiro?

Razões históricas à parte, não consigo entender que num mundo que gira tanto em torno dele, um mundo no qual por mais que se questione o valor excessivo dado a ele é impossível questionar sua importância na vida cotidiana, por que é que nesse mundo segue sendo feio falar de dinheiro?

Por que o constrangimento em negociar salários?
Por que a vergonha em assumir quando se está realmente duro?
E por que não dizer quando se está ganhando bem?

É feio falar sobre dinheiro, e a gente entuba as dificuldades e as alegrias que ele traz, e se ferra ganhando menos do que merece porque é feio falar sobre dinheiro.

Porque é feio falar sobre dinheiro a gente diz "tudo bem" quando avisam que a grana daquele trabalho vai atrasar, e não diz "Querida, é que meu condomínio vence amanhã, e as contas de luz e gás, e a minha conta tá zerada, e eu dependo dessa grana pra me manter esse mês, então não, não tá tudo bem", porque ora bolas, quem é que precisa de dinheiro?

Quem é artista então sofre mais - pressupõe-se que se o seu trabalho é criativo e você ama o que faz não é preciso receber.

Então o técnico de som é pago, o iluminador, o caixa do bar, o garçom... Mas e o cantor? O ator, o poeta, o DJ? Olha como ele tá se divertindo!

Às vezes parece que a gente trabalha só porque gosta e o dinheiro é bônus track.

Não, não é.

Trabalho é trabalho, talento é talento. Amor pelo que se faz é sorte.

E o dinheiro é a cenoura estendida na frente do nariz tantas e tantas vezes, porque no pote de ouro no fim do arco-íris moram a viagem sonhada, a parcela do apê, o vestido novo ou o jantar naquele restaurante.

Pra além de "Como o Rio anda caro!" e de "Nossa, como eu tô dura" - frases cotidianas da minha geração - o dinheiro devia ser assunto: Como você ganha? Como você gasta? Como você guarda?

Quero trocar dicas de investimentos como trocamos de bares ou de artistas novos pra conhecer. Conversar sobre grana com meus filhos e pensar juntos em como usá-la.

Falar sobre dinheiro, como o que ele é, um pedaço importante da vida, não a sua razão, não uma bobagem, não a engrenagem mas a gasolina, não o desenho mas o compasso, não o poema nem as palavras – papel e caneta, página em branco pra gente escrever.


|Maria Rezende

(tá, eu sei, ando abduzida pelo mundo animal e nada de poemas nem notícias nem nada que não sejam os textos do zine. mas ai, tem sido tão bom escrever assim, com data e tema e esse povo bacana junto que mesmo sem ganhar um tostão a gente escreve e fica feliz. assinem que é de graça.)

29.10.11

Ornitorrinco #16


OLHA-LÁ


Que alegria é a melhor herança que deixarei pros meus filhos.
Que terei filhos.
Que picar legumes em pedaços bem pequenos ouvindo música equivale a meio lexotan.
Que banho de banheira não é luxo, é saúde.
Que meu desejo é meu e eu posso escolher (e frequentemente escolho) devotá-lo a uma só pessoa, mas não o darei de presente com laço de fita.
Que eu não quero também receber o desejo de ninguém em embrulho prateado ou caixa enfeitada.
Que sendo assim não há "traição" se um dia, por acaso, alguém jogar o desejo em outro alguém que não aquele, o preferido, o escolhido.
Que é absolutamente libertador que seja assim.
Que biscoito de polvilho com doce de leite é uma combinação dos deuses.
Que a melhor utilidade da secretária eletrônica, em tempos de celular e e-mail, é guardar eternamente a voz das gentes queridas pra gente ouvir quando dá saudade.
Que o amor da minha família, paimãeirmãosavós, é uma rede de proteção com superpoderes.
Que mesmo assim às vezes tem sofrimento - a vida tem partes.
Que talco antes de dormir é o primeiro passo pra uma noite suave.
Que comida antes de dormir é a senha pros piores pesadelos.
Que a verdade do que se sente é fugidia e pode levar um mês pedindo todo dia pra gente conseguir força pra enxergar.
Que tudo que é demais pesa, até o amor, e que dói descobrir isso.
Que o amor é bom até quando pesa, e que alivia descobrir isso.
Que nada, nem dor nem alívio nem medo nem nenhuma parte, me desanimam dele - o amor.
Que eu adoro ser quem sou, e agradeço à vida todo dia por esse presente.


|Maria Rezende

***leia tudinho aqui ó

9.10.11

Ornitorrinco #15


OLHA-LÁ


MUZGA


Em casa quase nunca. Quando, quase sempre cd, as caixinhas de plástico com os dentes do miolo já um pouco quebrados, o círculo reluzente impresso em cores e o som ex-moderno comprado pelo pai no freeshop cujo controle remoto minúsculo e lindo nunca funcionou. Às vezes laptop: músicas desconhecidas saídas do HD externo recheado pelo amigo querido que ouve de tudo, a rádio online que toca a música do seu estado de espírito, o som dos amigos no myspace.

No carro sempre. Rádio. Com jabá ou sem jabá, o espaço pro acaso. Músicas antigas que lembram épocas, vozes novas, aquela pra cantar junto, aquela pra chorar no trânsito, aquela péssima que faz trocar correndo de estação.

Nem sempre o que impulsiona o dedo no dial é isso, claro. Às vezes, quase sempre, muito, rola o proibidão, aquelas que dizem o que a gente não pode ouvir naquela hora, que jogam o pensamento prum lugar onde não se pode ir ali, assim, no susto, e a fuga estratégica pro mais longe possível daquele som é necessária e honrosa. De vez em quando o sentimento é pego pelo pé e quando se vê as lágrimas já estão na pose, prontas pro mergulho de cabeça, mãos esticadas na frente do rosto na beirinha da piscina dos olhos e aí é se entregar. Chorar no carro é bom, sabe? A individualidade máxima, você e sua máquina de ferro, entre gentes em máquinas de ferro, sua emoção preservada sem o silêncio da casa vazia.

Mas música é mais alegria, e ultimamente ela tem nome: Faceiro&Fascinante - coletâneas de axé-maravilha organizadas pela poeta parceira de zine. E tome dançar "Afreketê" na sala ensolarada de manhã antes do trabalho, e tome rebolar com Chico César "Quando saio na rua com meu filá escuto logo: Jimmy Cliff", segurar os quadris ao som do fone de ouvido que diz "prefiro uma cerveja a ti" e um sotaque pernambucano que fala "Betinha" com aquele T que é pura delícia. 

Muzga suave, pra doer joelho ou cotovelo, pra ficar rouca, pra perder a linha, entorpecente, emocionante, vibrante, pra dar vexame na rua, pra andar, pra dormir, pra acordar, pra fazer sexo, pra fazer sucesso, pra ninar.


|Maria Rezende

(o tema era música - precisa dizer? 
pra ler os coleguinhas 
e seus textos deliciosos: 
www.nomedacousa.com
daí clica em Ornitorrinco 
e assina o bichinho!)

3:16



























3.10.11

Ecos da Bienal


Recebi essa semana um email carinhoso do pessoal da Bienal agradecendo a minha participação, com essas duas fotinhas de presente. Imagina, como se não fosse eu que tivesse que agradecer, a eles e à Elisa que não pôde ir e me indicou pro seu lugar, por estar ali naquele parque de diversões do livro! Foi uma noite deliciosa que me rendeu prazeres muito além dos vividos ali, como eu contei aqui, então nunca é demais celebrar!



25.9.11

Ornitorrinco de hoje


Um navio em alto mar
A casa sem remos
Bote à deriva
Cavalo desgovernado
Eu preciso de

Terremoto
Tempestade
Tsunami
Teto preto
Tétanodifteria
Tenhodoispeitoseumsócoração

Antigamente era o novo
Hoje é o novíssimo
Dizer não pro que se quer é ser fodão?

E onde é que mora a raiva?
Rabia anger rrrr
(como se diz 'raiva' em francês?)

Muito forte
Alta, firme, focada
Muito despreparada
Estou

(a proposta era: até 400 caracteres. era tão curtinho que eu esqueci de escrever, e hoje recebi email editorial com a versão simpática da inevitável pergunta: cadêotextogarota? e procurei um poema pequeno, inédito, e descobri que me acho tão concisa mas sempre passo de 400 letrinhas, e caramba como é que alguém escreve no twitter que eu não tenho nunca tive e agora entendi ainda menos? esse poema aí em cima tinha 472 caracteres, aí eu adaptei ele pra caber na proposta ornitorrínica e ficou assim. nunca antes na história do meu país eu tinha arrancado pedacinhos de um poema pra ele caber em algum lugar. e sabe que nem doeu? um dia ele vira página de livro do tamanho que eu quiser, ou nem vira. hoje ele é encerramento do ornitorrinco #014, na deliciosamente curtinha edição POUCO É TUDO, passem lá no site pra ler mais!)