28.11.11

Ornitorrinco #18

Eu, Maria, em 15 de novembro de 2011, às 23:12, estou em casa - Gávea, Rio de Janeiro, Brasil - escrevendo. Isso agora. Às 23:11 eu lia emails. Às 23:08 eu via tv. Às 22h36 eu servia sorvete de café crocante num potinho pequeno de cerâmica azul que foi presente de uma das minhas pessoas preferidas no mundo, e às 22h38 eu comia o sorvete com uma colher de chá economizando os crocantes. É noite de um dia cinza e choveu com vento forte mas parou logo. Ontem fez calor e à noite eu chorei com gritos e soluços como nem lembro mais quando. Ontem teve Tylenol, Kleenex e Sorine, telefonema internacional, telefonema logo ali de Ipanema e palavras de conforto em mensagens digitais. Escrevo no quarto de hóspedes, que já foi escritório de outra pessoa preferida e seria (será?) quarto de bebê, na mesa e na cadeira onde outro corpo sentou tantas e tantas noites, mas não no mesmo teclado. Me impressiona a capacidade de reinventar a vida. Me impressiona a minha. Me espanta e me agrada o meu compromisso com a alegria, o meu desejo do bom. Secar lágrimas e dançar na cozinha. Tem ansiedade, tem dor, tem incompreensão, a vida. Mas tem muito mais mão dada, música, sorriso, cobertor. Outro dia uma das minhas pessoas preferidas dizia com olhos brilhando que eu era a melhor coloridora de figuras em preto e branco com pilot em álbuns de capa mole e páginas de papel grosso. Esses dias eu falei entre lágrimas de emoção e alegria no casamento dela. No dia em que alguém ler isso eu terei 33 anos pela primeira vez. Às 23:24 de 15 de novembro de 2011, em casa, na Gávea, Rio, Brasil, eu, Maria, escrevo e sinto. Eu, Maria, não me canso nunca de sentir.

(A edição #18 saiu domingo passado, mas ai, era meu aniversário e eu fiquei de cama e aí vim pra Recife e passei batida por esse texto que eu tanto gostei de escrever. O tema/título era "Você está aqui agora" e ficou demais a revista toda começando por "Eu, ..., em ..., às ..., estou em ... fazendo ...". Muito doido ver a ordem em que cada um escreveu e que idéias loucas passaram pelas cabeças com esse mote tão livre. Ficou massa. (sim, agora tô pernambucana, visse?). 

ORNITORRINCO é uma publicação independente realizada pela fábrica criativa NOMEDACOUSA_BRINQUEDOS&BOMBAS ®.
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25.11.11

Leia na minha camisa

 ♥ ricifi 








tô de frente pro mar
já vi meu poema pendurado na parede
já jantei com marina e affonso
já andei na praia
já almocei com chacal
já fiz roteiro de recital na piscina



ainda vou andar pelo centro
subir as ladeiras de olinda
comer tapioca e macaxeira
ver mariana e antônio
e falar quase uma hora de poemas pra ouvintes que repararão no meu sotaque



ai, recife, não é à toa que eu volto sempre
seis visitas e não me canso
meu nordeste particular...

22.11.11

Recital no Recife


Passar quatro dias em Recife vendo e ouvindo Marina Colassanti, Chacal, Marçal Aquino, Alice Ruiz e outros escritores bacanas na II Mostra Sesc de Literatura Contemporânea, gastando os dias em andanças por essa cidade que eu amo, já seria um bom programa.

Fazer isso e ainda ter o privilégio de encerrar 
a mostra falando meus poemas, é luxo só! Sábado, 26/11, às 21h, no SESC Santa Rita. Vai ser um recital de quase uma hora, com muitos poemas novos, vários dos livros substantivo feminino e Bendita Palavra, além de uma seleção dos meus poemas favoritos de poetas incríveis como Adélia Prado, Manoel de Barros, Drummond, além dos pernambucanos Manuel Bandeira, João Cabral, Ariano Suassuna...

Quem for de ou estiver em Recife apareça! E quem quiser me levar pra passear nessa temporadinha-delícia me escreva!

20.11.11

os 33

"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde" (Guimarães Rosa)

5:21 de sábado pra domigo, madrugada de uma noite especial. Há exatas 24h eu suava na cama na febre de uma amigdalite vinda diretamente da infância, dor da qual eu já nem lembrava, desconforto quase inédito não tivesse sido tão frequente há anos atrás. Era véspera dos meus 33 e meu corpo cobrava a conta das emoções de um ano doido, um ano doído, um ano insuspeito. Quem diria que 2011 seria assim? E quem diria que eu chegaria hoje, 20 de novembro, de vestido branco girando ao som de músicas da adolescência, rindo na cara da tristeza, agarrada na saia da alegria?
Ao meio-dia era impossível comer, falar. À meia-noite eu só fazia dançar. Dançar e rir e abraçar. Teve antibiótico, antiinflamatório, remédio pra febre e dor, mas eu surfei foi na energia amorosa de tantos amigos, e só quando o último foi embora a garganta voltou a doer, devagarinho, silenciosa, como quem se envergonha de incomodar moça tão predisposta à alegria.
Dois parágrafos terminando com alegria. Ia escolher uma palavra pra trocar mas a escrita é mais sábia que eu às 5:31 da madrugada. Alegria, alegria. Duas, três, três mil vezes. Eu quero.
Deito pra dormir na casa que já foi minha e onde eu e minha garganta inflamada fomos acolhidas há dias atrás e a cabeça não para. Rezo pra vida e quase só agradeço: obrigada pela saúde, pela família, pelo afeto, por ter um trabalho e ter talento, pelo otimismo e pela capacidade de reinvenção, pela rede de proteção, pelos amigos incríveis, pela beleza que eu achei pra mim, pelo amor que eu dou e recebo, pela possibilidade de me cuidar e me deixar ser cuidada, pela saúde, pela sorte. E termino com os pedidos, hoje só dois: saúde&sorte, pra mim e pros que eu amo.
A vida sabe ser boa e eu sei aproveitar.


11.11.11

Ornitorrinco #17 - Bufunfa


OLHA-LÁ



Tem muita coisa que eu não entendo sobre dinheiro, a saber:

I.      Como ele pode ser tão relativo (cruzeiro, cruzado, real) e absoluto (ovo, cama, água, sabão).
II.    Como pequenas despesas variadas podem somar R$2.549 na conta do cartão.
III.  Como tanta gente vive com tão pouco - haja imaginação!
IV.    Como tanta gente vive com tanto - haja imaginação.

Mas o que mais me intriga é:

Por que cargas d'água é feio falar sobre dinheiro?

Razões históricas à parte, não consigo entender que num mundo que gira tanto em torno dele, um mundo no qual por mais que se questione o valor excessivo dado a ele é impossível questionar sua importância na vida cotidiana, por que é que nesse mundo segue sendo feio falar de dinheiro?

Por que o constrangimento em negociar salários?
Por que a vergonha em assumir quando se está realmente duro?
E por que não dizer quando se está ganhando bem?

É feio falar sobre dinheiro, e a gente entuba as dificuldades e as alegrias que ele traz, e se ferra ganhando menos do que merece porque é feio falar sobre dinheiro.

Porque é feio falar sobre dinheiro a gente diz "tudo bem" quando avisam que a grana daquele trabalho vai atrasar, e não diz "Querida, é que meu condomínio vence amanhã, e as contas de luz e gás, e a minha conta tá zerada, e eu dependo dessa grana pra me manter esse mês, então não, não tá tudo bem", porque ora bolas, quem é que precisa de dinheiro?

Quem é artista então sofre mais - pressupõe-se que se o seu trabalho é criativo e você ama o que faz não é preciso receber.

Então o técnico de som é pago, o iluminador, o caixa do bar, o garçom... Mas e o cantor? O ator, o poeta, o DJ? Olha como ele tá se divertindo!

Às vezes parece que a gente trabalha só porque gosta e o dinheiro é bônus track.

Não, não é.

Trabalho é trabalho, talento é talento. Amor pelo que se faz é sorte.

E o dinheiro é a cenoura estendida na frente do nariz tantas e tantas vezes, porque no pote de ouro no fim do arco-íris moram a viagem sonhada, a parcela do apê, o vestido novo ou o jantar naquele restaurante.

Pra além de "Como o Rio anda caro!" e de "Nossa, como eu tô dura" - frases cotidianas da minha geração - o dinheiro devia ser assunto: Como você ganha? Como você gasta? Como você guarda?

Quero trocar dicas de investimentos como trocamos de bares ou de artistas novos pra conhecer. Conversar sobre grana com meus filhos e pensar juntos em como usá-la.

Falar sobre dinheiro, como o que ele é, um pedaço importante da vida, não a sua razão, não uma bobagem, não a engrenagem mas a gasolina, não o desenho mas o compasso, não o poema nem as palavras – papel e caneta, página em branco pra gente escrever.


|Maria Rezende

(tá, eu sei, ando abduzida pelo mundo animal e nada de poemas nem notícias nem nada que não sejam os textos do zine. mas ai, tem sido tão bom escrever assim, com data e tema e esse povo bacana junto que mesmo sem ganhar um tostão a gente escreve e fica feliz. assinem que é de graça.)