SEPARAÇÃO
(Affonso Romano de Sant'Anna)
Desmontar a casa
e o amor.
Despregar
os sentimentos
das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas,
flores,
e corpos de intermeio.
Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juízo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
- pareciam se amar tanto!
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos de Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se,
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa.
Amou-se
um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos,
malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?
Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.
***
Affonso escreveu sobre o filme iraniano Separação, e na onda postou no Facebook esse poema lindo dele. Sim, Affonso, o poeta incrível, ele mesmo, Affonso Romano de Sant'Anna, tem Facebook. Adoro. E esse poema, eita ferro, dói até quando a gente ainda nunca passou por isso, que dirá quando já. Ainda bem que a vida, essa chacrete sacana, roda roda e avisa que depois melhora. Afe. Ufa.
"Carne do umbigo", "Bendita palavra" e "Substantivo feminino" são a versao impressa e bem acabada do que rola aqui. Quer me ter na sua mão em forma de livro e disco? Me escreve aqui!
31.1.12
29.1.12
Ornitorrinco #22 - Tempo livre, tem sim senhor
- OLHA-LÁ –
A gente precisa conversar sobre o tempo. O livre. Tem mesmo? Ou tem, mas acabou?
Alguns são claros. Olhar pro teto do quarto deitada na cama. Cozinhar sem pressa, só prazer, ouvindo a música que vem da sala. Conversar potoca com quem se ama e dar danoninho na boca de uma filha que não é sua. Mas a maioria me confunde. Ver a vida dos outros na tela do computador é? Ler revista de fofocas esperando a tinta agir nos cabelos, é? E escrever sobre o tema proposto pelo editor? Ou isso é tempo preso? E se é, quem foi que prendeu, pra gente pagar a fiança e poder soltar? Ah foi a gente mesmo, foi? Ah tá…
A
gente diz que ter ele é o que mais quer, mas eu não sei não. Porque
parece que assim que ele aparece a gente inventa ocupação. Tirar o
esmalte. Ligar pra amiga. Procurar online o adesivo pra porta do carro
que chegou da oficina desamassado mas sem decalque. Ir ao mercado.
Escrever sobre o tema proposto pelo editor.
Tempo
livre. Que tem, tem. Escrever sem tema. Olhar as unhas dos pés
coloridas dentro da banheira ao som de Leonard Cohen. Ler o jornal de
anteontem vendo o dia entardecer pela janela. Enfiar linha na agulha e
dar pequenos pontos em algum tecido reinventando tardes macias com
cheiro de casa de avó. Pintar os olhos sem festa à vista pra piscar
bonito na câmera do laptop. Juntar um poema com uma música com umas
imagens em movimento e inventar o novo.
Às
vezes é de manhã, roubando deliciosamente do dia útil lá de fora. Em
geral é de noite, roubando - com olheiras - da cama que chama ali
dentro. Eu gosto mesmo é quando é de tarde, e o céu azula daquele meu
jeito preferido enquanto eu não aproveito pra nada, e nem em olhar o céu
azulando eu penso. Só fico existindo, entre cheiros quentes, agulhas de
buracos finos, telas e páginas. Ou só o teto do quarto, macio,
derretendo, enquanto os olhos vão fechando no melhor dos sonos. Se as
algemas são minhas eu tenho a chave, se fui eu que prendi então eu
solto, que tudo que existe, existe melhor livre, e o tempo não havia de
ser exceção.
_Maria Rezende
(Texto do Ornitorrinco de hoje. Edição #22. Tema: tempo livre. Alegria especial pela estréia da querida Keli Freitas, atriz e escritora, mais uma a provar que fazer uma coisa só da vida está cada vez mais demodée entre as minhas pessoas. Só li o bicho agora porque passei a tarde numa pesquisa seríissima sobre o assunto, deitada num banco de cimento na praia do Leblon ouvindo o disco do Marcelo Janeci inteirinho, deixando o olho fechar sempre que ele queria e nos intervalos vendo passarem gaivotas em balés deliciosos ou em vôos solo cheios de atitude - quem são essas gaivotas que não querem o bando e seguem solitárias? e quem ensina as outras a dançarem tão bonito? -, crianças de casacos coloridos, casais de mãos dadas e algumas senhorinhas de cadeira de roda. Todo mundo exercitando a coisa e eu mais que todos, nem me mexia, só sendo ali no meio da rua, tinha tempo que eu não brincava de tempo livre desse jeito. Foi bem bom. Recomendo.)
23.1.12
Casadoira
Semana passada saiu uma matéria sobre um lado pouco conhecido da minha vida de poeta, mas que eu adoro: o de "MC" de casamentos. Explico: às vezes os noivos não tem religião, ou cada um tem uma, mas querem uma cerimônia amorosa, me convidam e eu vou lá dizer "estamos aqui reunidos pra celebrar o amor de...". Outras vezes tem padre ou juiz, mas eles querem poesia no meio, e lá vou eu dizer poemas de amor nesse dia tão importante.
Começou há um tempão atrás, quando um casal de amigos que nem era tão próximo me convidou pra essa deliciosa tarefa. Depois eu já fui o "padre" da minha melhor amiga, da filha de outra grande amiga, já disse poemas no casamento da minha irmã, e também no da querida Manu Cesar, jornalista criadora do delicioso blog Colher de Chá, com dicas ótimas sobre tudo que é gostoso, e que agora tem uma sessão especial pras noivas, onde ela aproveitou pra divulgar esse meu lado casamenteiro.
É um luxo e uma alegria ver que minha poesia já virou parte do casamento de gente que eu nem conheço, além de ser uma profunda emoção que ela enfeite o amor das pessoas que eu mais amo. Lá na matéria da Manu tem meu poema mais casadoiro e também um vídeo que me encheu de alegria, uma noiva que eu nunca vi na vida dizendo meu poema no dia do casamento dela. Eita que a poesia sabe me fazer feliz...
Começou há um tempão atrás, quando um casal de amigos que nem era tão próximo me convidou pra essa deliciosa tarefa. Depois eu já fui o "padre" da minha melhor amiga, da filha de outra grande amiga, já disse poemas no casamento da minha irmã, e também no da querida Manu Cesar, jornalista criadora do delicioso blog Colher de Chá, com dicas ótimas sobre tudo que é gostoso, e que agora tem uma sessão especial pras noivas, onde ela aproveitou pra divulgar esse meu lado casamenteiro.
É um luxo e uma alegria ver que minha poesia já virou parte do casamento de gente que eu nem conheço, além de ser uma profunda emoção que ela enfeite o amor das pessoas que eu mais amo. Lá na matéria da Manu tem meu poema mais casadoiro e também um vídeo que me encheu de alegria, uma noiva que eu nunca vi na vida dizendo meu poema no dia do casamento dela. Eita que a poesia sabe me fazer feliz...
21.1.12
A gente precisa virar caleidoscópio
A gente precisa conversar sobre o tempo.
Eu precisava dormir mas não rolou, esse vídeo na cabeça desde cedo querendo virar virtualidade compartilhável: o poema escrito pro Ornitorrinco, o chão girando em cores.
Virou.
Hoje sim #4.
Posso dormir agora?
Agradecida.
(foi outro dia, mas gostei do textinho então finge que)
17.1.12
Eu no Papo de Homem
Tá bom, tá bom, eu sei que já falei bastante do Pau Mole esses tempos, mas fazer o que se o poema segue me dando alegrias inusitadas? Dessa vez foi um artigo escrito pelo Guilherme Valadares no Papo de Homem, uma revista virtual obviamente dedicada ao público masculino e que, numa rápida visita, me pareceu muito da bacana. Além de, olhem ali, ter 1.500.000 leitores! Ou seja, tenho que agradecer profundamente ao Guilherme, criador e editor-chefe do site, porque se uma parcela mínima desse povo tiver lido o que ele escreveu sobre mim já tô super no lucro!
Na verdade, mais do que pensar no número de pessoas (quantidade e tamanho são coisas de homem, né, já dizia o Kid Abelha), adorei foi ter despertado a atenção de um cara que diz que não curte muito poesia e cita logo meus favoritos: Drummond, Galeano, Quintana. Ou seja, fazer parte dessa seleção já é muita onda. Ele gostou do poema, foi atrás do meu trabalho, escreveu, fez o link nem sempre perceptível entre o Pau Mole e o Musa do Século 21 - o primeiro é em defesa dos homens, embora eles tantas vezes se sintam vulneráveis com o poema... e o segundo vem defender nós mulheres, sempre compelidas a uma perfeição inatingível. Aí vem a parte dois da brincadeira: um bando de gente leu e ficou mobilizada e quis conversar sobre. Tem nego dizendo que aquilo não é poema, outros dizendo que é piada, outros sacando a minha sensibilidade, tem nego achando que eu plagiei o trash Gabriel Colombo, tem nego postando outras coisas minhas, enfim, um bate papo animadíssimo!
E eu, que numa entrevista semana passada pra TVE respondi à pergunta "qual o maior sonho do poeta" dizendo que não posso falar por mais ninguém mas que o meu é escrever e ser lida, só posso agradecer ao Guilherme por essa alegria. E acho que vou passar lá pra comentar também, e botar mais um tanto de lenha na fogueira da conversa...
15.1.12
Ornitorrinco #21 - A gente precisa conversar sobre
- OLHA-LÁ -
A gente precisa conversar sobre o tempo.
De como ele muda com o ângulo, com a luz.
Como tem jeitos, é manhoso, e nunca para,
a não ser pra entediar o sujeito.
Tem exatos trinta dias que:
.uma das minhas pessoas preferidas saiu de um avião prum velório
.eu me perdi num bairro novo
.vinho demais reinaugurou a receita
Parece que faz anos. Ou que foi ontem.
Setecentas e trinta horas ou um doze avos do ano
ou novecentas checadas de email ou dois torpedos
ou vinte e cinco minutos de mão dada numa igreja lotada.
Quem comanda a ampulheta?
E se eu soprar de leve o aviãozinho de papel pra passar logo?
E se eu agarrar com os dez dedos a lembrança de cada frase
pra durar um pouco mais?
A gente precisa conversar sobre o tempo.
Quantas luas dura o encanto no silêncio?
A dor da perda é conta-gotas ou catavento?
Ainda se chama espera quando se está em movimento?
_Maria Rezende
***
Esse é meu texto do primeiro Ornitorrinco de 2012. É a segunda vez que publico poesia, mas a primeira em que sai um poema novo, inédito, fresquinho, especialmente pro zine. Estamos na edição #21 e eu tô na parada desde a #10 como colunista, além de ter escrito como colaboradora na #03 um dos textos em prosa de que eu mais gosto, esse aqui ó.
Das grandes alegrias do ano passado foi ter entrado pra esse time, convidada pelo editor Gabriel Pardal, o maluco que arruma tempo pra nos instigar a escrever, organiza o zine todinho e ainda publica e divulga. Esse menino baiano eu conheci por blog e myspace e depois ao vivo em Sampa quando estive lá na Balada Literária. Criamos um laço delicioso, meio ímpar, que tem admiração no recheio e não tem cotidiano nas bordas - me dar conta de que não tenho o telefone dele, nem celular nem nenhum, me espantou e me fez sorrir esses dias. Sei que ele tem amor pela Clara e pelo Vicente, sei que ele escreveu o bacanudo Carnavália, vi ele bonito no palco do "Todos os cachorros são azuis", e trocamos emails e textos. Que bela amizade essa. A cada edição agradeço a ele o entuasiasmo e a parceria, e dessa vez publicamente, aqui no meu jornal privée de notícias amorosas.
E aí tem o luxo-só de ser parceira de tanta gente legal. Letícia Novaes, cantoracompositoraatrizmusa da banda Letuce, de quem eu sou tão fã e cada vez mais amiga, alegria que não desbota. Ramon Mello, que foi na minha primeira casa me entrevistar pro seu incrível blog Clik(IN) Versos, ele que é poetajornalistaatorautorcurador, no que foi o começo de uma amizade deliciosa e imperdível. E a Bruna Beber, poetíssima que eu admirei primeiro em livro e depois conheci em mesa de bar e que em 2011 virou amiga de vida real e me botou pra dançar com o seu irresistível "Fasceiro&Facinante" que eu não me canso de exaltar. E ainda tem o Domingos, o Emanuel, o Franco, o Julio. É muita coisa boa prum bicho só.
E pra quem ainda não sabe, a coisa funciona assim: você vai lá no site do bicho e assina, aí passa a receber na sua caixa postal, sem esforço nenhum, domingo sim domingo não. As edições são temáticas e é uma delícia ver o que sai da cachola de cada um de nós, um tema e tantas possibilidades. Num domingo de chuva, como hoje, nada melhor do que deitar na cama com o laptop no colo e ler o bicho todo de enfiada, me surpreendendo com os textos deles e com o meu, escrito sempre no último segundo e só lido quando chega a edição oficial. Pra quem quiser conhecer antes de assinar, lá no site tem as 20 primeiras edições, é só escolher um número e descobrir o que virá.
4.1.12
O "Pau Mole" ataca novamente!
E eis que na primeira semana de 2012 estoura a notícia: meu poema do Pau Mole acaba de me aprontar mais uma.
Atenção: um cara que eu nunca vi na vida, o Jeff Oliveira, pegou o poema dito pela Ana Carolina e tascou num mashup surreal que reúne a música mais bizarra que eu já ouvi, a terrível "Sai seu pica mole", na voz de Valeska Popzuda, com a batida de California Gurls, da Kate Perry. Há que se ter estômago - pra aguentar o choque de ver o poema num contexto tão tosco, e depois pra não morrer de dor na barriga de tanto rir.
Valesca
Popozuda & Katy Perry (ft. Ana Carolina) - "California Picas"
(Tiago Spears Mashup) by jeffoliveira
Esse poema, o mais pop de toda a linhagem, um dos primeiros que eu escrevi na vida e que nunca sai de cena, o poema que mais me espalha por aí e que tem pernas bem mais longas do que as minhas, sempre me rendeu momentos inusitados - ótimos, bizarros, deliciosos, hilários, toscos. Durante muitas e muitas noites eu disse ele no palco do Te vejo na Laura, e foi lá, numa noite de casa lotada, que a Ana conheceu o poema.
Daí a Ana ouviu o poema, adorou, e generosa como ela é acabou lendo ele no final de uma gravação de um programa de tv. O vídeo foi parar no Youtube e roda feito doido pela internet desde então. Pro meu absoluto choque, hoje, quatro de janeiro de dois mil e doze, ele já foi visto por mais de 55mil pessoas!
Pois agora esse o Jeff Oliveira pegou a voz dela dessa gravação, com gargalhada no final e tudo mais, e fez essa pérola do cancioneiro nacional. Depois do sucesso retumbante do "Adoro beijo na boca", a versão mais tosca do meu poema já feita - e nunca devidamente creditada, ao contrário do mash up, no qual o Jeff me credita direitinho (valeu, Jeff!) - pelo grande artista da palavra e da imagem Gabriel Colombo, realmente posso dizer: era só o que me faltava!
Ou será que vem mais por aí? Porque esse poema é que nem filho travesso: não cansa de me dar sustos que rendem belas gargalhadas!
1.1.12
Tiau 2011, oi 2012
Tiau 2011. O ano mais duro da minha vida. E ainda assim - e por isso - bonito. Bom. Fodão. Que venha 2012. Saúde, sorte & alegria. E um pouco mais de leveza, se for possível. Esperança, esperança, eu te quero, eu te recebo, vem!
E pra começar 2012 meu novo vício musical, que tira da minha boca as palavras: "eu tenho tido a alegria como dom e em cada canto vejo um lado bom". Eita dom bom de se ter!
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