Quatrocentas e vinte mil pessoas foram ao cinema esse fim-de-semana ver Meu passado me condena. 420.000 pessoas. É gente pra caramba. É uma estréia de arrasar, e aponta que o filme vai ser um sucesso de bilheteria, e a gente, que trabalhou nele, comemora e brinda. Quem olha de fora ou tá chegando agora pode pensar que isso estava escrito nas estrelas, que fazer um filme num cruzeiro de um grande navio com o Fabio Porchat é uma garantia de dinheiro entrando pelas catracas dos cinemas, e que esse devia mesmo ser o plano desde o início. Podia ser, sabe? Viver de cinema é como viver de advocacia ou de medicina: tem o sonho, o desejo de fazer o melhor, tem o cotidiano do trabalho, o dia-a-dia árduo do mundo real, e tem o fato de que é preciso viver do que se faz. Ganhar dinheiro com cinema é como ganhar dinheiro com qualquer outra profissão: necessário e muito desejável.
Só que nesse caso é tudo uma surpresa, e o filme ganhou tanta projeção que às vezes até eu mesma, que estou lá desde o começo, me distraio e me esqueço do quão inusitado é todo esse espaço e essa boa recepção.
Era uma vez uma jovem que termina um namoro, sofre horrores e descobre no meio das lágrimas o blog de uma outra cheio de textos lindos e ácidos sobre o amor e seus desdobramentos. A primeira, Julia Rezende, minha irmã, vira fã de carteirinha da segunda, Tati Bernardi. Muitos anos depois, Julia é diretora de cinema e televisão e prepara o roteiro do seu primeiro longa-metragem, Ponte Aérea, escrito em parceria com Rafael Pitanguy, sobre a história de amor de uma publicitária paulista e um artista plástico carioca. Depois de muitas versões do roteiro, ela tem a ideia de convidar aquela escritora que tanto admira, que fala de amor com emoção e ironia, pra colaborar no roteiro. A parceria não vinga pra esse projeto mas rende outro: juntas, as duas começam a desenvolver um projeto de série de televisão sobre um casal que se conhece e se casa depois de apenas um mês de convivência, vai
passar a lua-de-mel numa pousada na serra e lá começa a realmente se
conhecer e descobrir os podres do passado um do outro. Apimentando a
receita, os donos da pousada são um ex-casal amargo e trambiqueiro que
só aumenta as confusões.
Era uma vez uma produtora de cinema querendo abrir suas asas para a
televisão, num momento em que uma nova lei foi aprovada determinando que
os canais a cabo tem que ter uma parcela de sua programação de conteúdo
original produzido no Brasil. Essa produtora é a minha mãe, Mariza
Leão, responsável por filmes importantes desde o começo dos anos 80 e por algumas das
maiores bilheterias do cinema brasileiro recente. Julia apresentou o projeto pra Mariza e juntas elas o ofereceram ao Multishow. Nascia aí Meu passado me condena, série em treze episódios.
Fabio Porchat e Miá Mello eram comediantes talentosos de que muito pouca gente tinha ouvido falar, Inez Vianna e Marcelo Vale, grandes atores de teatro, completavam o elenco principal, e Julia Gorman e Rafael Sieg eram os ex-namorados que mudavam a cada episódio. Agrana era curta então tudo foi pensado pra ser gravado no sítio da nossa família, onde equipe e elenco ficaram hospedados por cinco semanas enquanto o trabalho acontecia. A equipe era toda de amigos feitos no trabalho, nas outras duas séries que a Julia tinha dirigido para o Multishow. Gente jovem, cheia de gás, muitos começando a assinar trabalhos como chefes de equipe, todos vibrando na mesma sintonia pra fazer um programa bacana, inclusive eu que não estava no sítio e sim no Horto, na ilha de edição, montando tudo.
No meio das gravações foi lançado o Porta dos Fundos. Muito rapidamente Fabio Porchat virou um ícone, um nome, um rosto conhecido e admirado no Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, um produtor argentino procurou a Mariza com uma proposta de fazer um filme num navio de cruzeiro numa viagem do Rio pra Europa. Ele tinha produzido um filme assim na Argentina e o navio estava aberto pra fazer outro. Eles não davam dinheiro, mas ofereciam uma locação improvável e linda e hospedavam equipe e elenco na travessia. Só que ela tinha que desenvolver um projeto que se encaixasse nesse perfil, e um casal em lua-de-mel era perfeito pra um cruzeiro intercontinental. Mariza propôs, o Multishow topou ceder os direitos, Tati começou a trabalhar feito louca no roteiro de um longa, Mariza fechou parceria com Paris Filmes, RioFilmes e Globo Filmes, e conseguiu o dinheiro numa velocidade estonteante. Era o começo de Meu passado me condena - o filme. Quando tudo parecia perfeito perdemos o navio. Eles fecharam com outra produtora, outro projeto, outro filme. Subitamente a gente, que começou tendo só um navio e nada mais, tinha tudo menos um navio.
Começou-se a pensar em opções. Filmar num resort. Num cruzeiro curto, Rio-Búzios, indo e vindo cinco vezes pra dar tempo de fazer todas as cenas. Mas a Mariza é tinhosa e conseguiu um baita navio, o Costa Favolosa, que saía do Rio rumo à Itália em março desse ano. Seis meses depois da ideia do filme ter surgido, lá estávamos nós no porto do Rio embarcando nessa aventura. Alguns novos parceiros na equipe, reforço de Juliana Didone, Alejandro Claveaux e Rafael Queiroga no elenco, além de participações especialíssimas como a da Elke Maravilha.
Foram vinte e um dias no mar, cinco sem ver terra. Paradas em Ilhéus, Maceió, Recife, Tenerife, Funchal, Marseille, Casablanca, tantas cidades. Mais tons de azul do que eu sabia que existiam. As dificuldades de fazer um filme em um cruzeiro de verdade, com três mil passageiros, dois mil tripulantes, contando com a compreensão de todos pra fechar piscinas ou salões pra podermos filmar, e aproveitando o entusiasmo dos passageiros que adoravam fazer figuração. Eu tinha uma cabine-ilha-de-edição, um cantinho escuro onde eu passava os dias montando as cenas filmadas dois dias antes.
Sabe aquele papo de que navio não balança, afinal é um edifício de treze andares, muito grande, muito sólido? Balela. Balança. Bastante. Ou pelo menos foi o que me pareceu a partir do quarto dia, quando eu comecei a passar bem mal. Chegando no Rio fiz exames e soube que era dengue. Imaginem. Não fui à piscina, não fui às festas na véspera das folgas, não fiz aula de salsa, não bebi no bar vermelho. Mas montei um filme sobre as ondas. E conheci muitas cidades. E fiz amigos.
Chegamos na Itália e lá filmamos mais três dias. Muita gente da equipe nunca tinha ido à Europa e agora estava trabalhando lá. Julia fez aniversário, 27 anos.Voltamos pro Rio e o trabalho continuou: terminar de montar, fazer trilha, editar o som, corrigir a cor, mixar. Nas primeiras sessões do filme para os distribuidores a surpresa: eles acharam que tínhamos ouro nas mãos. Uma comédia romântica, engraçada, emocionante, bem filmada, elenco tinindo, cenários incríveis. E nosso filme nascido no susto começou a ganhar corpo de gente grande, e começou a ser pensado um lançamento poderoso, muito maior do que o previsto anteriormente.
Aí chegamos a hoje. Quatrocentas e vinte mil pessoas em três dias. É o décimo melhor fim-de-semana de abertura de um filme brasileiro desde a Retomada. Faremos um milhão de espectadores até o fim-dessa semana. A gente se espanta, a gente comemora, a gente brinda e agradece. Talento, trabalho duro e sorte são uma combinação explosiva. Esse filme nasceu regido por esse trio. E eu, que já me incomodei muito de trabalhar em família, celebro a estreia na telona da minha irmã, uma diretora tão jovem e tão determinada e segura e afiada, e a alegria de ser parceira dela em todos os seus projetos até hoje.
E enquanto o filme nos dá tanta alegria nos cinemas, estreia hoje a segunda temporada da série: Fabio e Miá depois da lua-de-mel, morando em Santa Tereza e descobrindo os desafios da vida cotidiana. Meu passado me condena. Nos cinemas de todo o Brasil. Na tela da sua tv toda quarta-feira às 23h no Multishow.
Agora é se preparar pro Ponte Aérea - lembram dele? O primeiro projeto virou o segundo filme e ano que vem ao invés de um navio intercontinental estaremos entre Santos Dumont e Congonhas, Rio-Sampa, filmando a história de amor de Amanda e Bruno. Outro projeto, outro desafio. Não é comédia, não deve bater recordes de bilheteria. É o filme com que a Julia sonha há cinco anos, e eu mal posso esperar pra botar a mão na massa com ela de novo.
Lembranças da primeira temporada da série no sítio:
Lembranças da nossa aventura al mare:
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No porto do Rio |
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Heloísa Rezende, nossa produtora executiva, embarcando |
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Quarto com varanda é mó legal |
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Elke e a plaquinha que acompanhava a filmagem pra todo lado |
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Início das filmagens numa das piscinas |
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No porto de Salvador |
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Almoçando acarajé com Mel e Fabi |
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Fabio, Miá e nossa super figurinista Mel |
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Tentando melhorar do enjôo que afinal era dengue |
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#semfiltro |
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Vendo as primeiras cenas montadas na hora do jantar |
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Miá, Mel, Ju, Fabi e suas roupas de bichinhos |
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O famoso bar vermelho, point das noites que minha dor de cabeça não me deixou frequentar |
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Luz e Bia na folga em Funchal |
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Tiau Funchal |
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Ilha de edição sobre as ondas |
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Filmando no deck do tobogã |
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Julia pensando o próximo plano |
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Al mare! |
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I'm the corno of the world! |
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Foto de equipe no por-do-sol |
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Foto de equipe em Savona |
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Fabio, Ju e Miá no 1o dia de filmagem no Rio |
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Queiroga, Fabio, Inez e Marcelo na Itália |
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Mariza e sua tradição de bater claquete em todos os filmes |
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Os protagonistas e a diretora |
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Alegria no restaurante |
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Aproveitando a falsa folga em Casablanca |
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Azul-oceano-Atlântico devia ser o nome dessa cor |
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Congelando na Itália |
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Com mamãe Mariza em Savona |
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Tiau Costa Favolosa com a Ju |
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Hotel de frente pro mar |
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Os italianos chamavam ela de "la registra" |
4 comentários:
Oi, Maria!
Bela história!
Bom, eu caí de gaiato nesse navio, com o perdão do trocadilho idiota, e me surpreendi. Como redator de internet que foi naturalmente se especializando em cinema, já tinha visto o promo do filme para exibidores e também já conhecia o seriado no Multishow. Mas a campanha caiu no meu colo na metade do prazo. Fui incumbido de ajudar a divulgar o filme na internet. Confesso que fiquei meio assustado no começo, mas não demorou nada pra eu me encantar com a história dos pombinhos esquisitamente feitos um pro outro a bordo de um navio. E foi impossível não lembrar de outro casal assim que marcou muito a minha vida: Rui e Vani. O mais curioso é que esses dois também fizeram parte do início da carreira do Porchat (provavelmente você conhece o vídeo dele interpretando no Jô um roteiro que ele mesmo tinha escrito "para" Os Normais). Eu vi no Fábio e na Miá uma versão jovem e fresca do Rui e Vani e me senti privilegiado por poder ajudar na divulgação dessa história. Parte da campanha online foi o "Dia do #MeuPassadoMeCondena" quando os seguidores foram convidados a queimar o próprio filme nas redes sociais. Pra isso, escrevi um pequeno roteiro para o Porchat e a Miá gravarem, fazendo esse convite em vídeo. Quando escrevi, pensei "dá pra imaginar o Rui e a Vani falando isso". No youtube, um comentarista disse a mesma coisa. No dia do pressday, uma jornalista perguntou pros dois se a referência Os Normais existia, e eles disseram que não propositalmente, mas que se sentiam felizes com a comparação (e quem não se sentiria?). O dia do #MeuPassadoMeCondena foi escolhido para acontecer em 3 de outubro e, uma curiosidade que ninguém percebeu, é que nesse dia completavam exatamente 10 anos do último episódio de Os Normais na TV aberta. E essa escolha também não foi proposital. Então, trabalhar dois meses com a campanha do filme me fez perceber como as histórias se conectam. O Porchat, o humor, eu (espectador e redator), Rui, Vani, Fábio, Miá... foram tantas coincidências interessantes e, o melhor de tudo, o sucesso nas bilheterias. Aliás, sucesso esse que é mérito dessa família talentosíssima sua. Não tive oportunidade de conhecer você e só vi a Júlia rapidamente na pré-estreia. Mas tive o prazer de trocar uns bons minutos de palavras com sua mãe Mariza Leão e detectei ali toda a paixão colocada nesse filme. E, como se não bastassem as coincidências e o resultado positivo, digo que há uns 6 meses estava conversando com minha amiga Rafa que trabalha na DT (distribuidora do filme), sobre assuntos aleatórios, e falamos sobre como seria interessante um filme sobre um amor na ponte aérea (como é a nossa amizade, ela no rio e eu em sp, ambos indo e vindo).
Agora, lendo seu texto sobre esse filme que já uniu tanta coisa, fico sabendo que as siglas CGH e SDU vão estar num backlight de cinema logo menos.
Tô muito feliz!
Obrigado a você pela história contada aqui neste post, obrigado a toda sua família pelo filme e por me deixar fazer um pouquinho parte dele e desculpa esse comentário longo, meu deus do céu, eu falei demais.
Uau, super post!
Esse post é um transatlântico.
Gostaria de saber quem cuidou do figurino da Inez Vianna no segundo filme, que escolheu aqueles chales maravilhosos que ela usou (na verdade, quero saber onde conseguiram!). Perfeitos! P.S. adorei os filmes! Parabéns a todos.
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