24.7.18

De amor e de leões

A sintonia da vida não cansa de me deixar surpresa. Estou escrevendo um texto de abertura prum livro chamado "71 leões",  da Lau Patrón, relato incrível da sua experiência de passar setenta e um dias no hospital com o João, seu filho que tinha menos de dois anos na época, um livro super lindo e emocionante. Aí quando fui salvar o texto achei um outro chamado "26 de fevereiro", fiquei curiosa porque não me lembrava o que era e era um texto que escrevi no carnaval do ano passado sobre a vovó Elza, e subitamente me dei conta: ela se chama Elza Ramires Leão.

Daí me dei conta de que mamãe se chama Mariza Leão, e eu tenho lua em leão, e daí nasceu meu poema DNA:

Leão no mapa
na cabeceira
na certidão de nascimento

No toque entre os dedos
no branco precoce dos cabelos

Em fitas e fitas
de ácido desoxirribonucleico

Pois mamãe (que se autointitula pro nosso João, seu neto: vovó Leão) me disse que faz vinte anos que a vovó Elza não tá mais aqui com a gente em carne e osso, e aí agora achei esse texto, tô me achando muito loka que não tinha me dado conta de que eu também sou LEÃO (o nome não me chegou mas a força sim, muito). E pensando agora percebo que antes disso tudo hoje cedo eu tava lendo o horóscopo de leão (que é minha lua e eu sempre leio) e mandando prints pro meu boy, que é leonino. Enfim, passei a manhã entre leões e agora me pula esse texto de amor pra vovó, afe, que loucura tanta sintonia... Foi tudo tanto que deu até vontade de vir aqui no blog, eu que ando bem mais que bissexta, sumida mesmo.  ❤

...

26/02/2017

26 de fevereiro. Há um ano atrás nesse dia eu iria casar no civil num cartório em Belém do Pará. Há um ano atrás nesse dia eu chegava sozinha em Barcelona com leveza de adolescente, com o alívio da vida inteira pela frente. Hoje é domingo de carnaval e eu estou em casa costurando uma saia. Não é pro bloco que eu costuro. É pra mim.

Abro a caixa de costura que era da vó materna, dentro dela uma caixinha de louça onde guardo as lantejoulas. É com os dedos dela que eu bordo. Com os olhos dela enfio a agulha na linha. A vó não aprovaria a saia carnavalesca feita de sacos de laranja, mas se orgulharia da minha habilidade na costura. Onde não havia nada, de repente, tudo.

Lembro da boneca de pano que fizemos juntas, os olhos de botão. Coisa de outro século, a infância dela transbordando pra minha. Lembro do travesseiro que ela me deu, cosido à mão, feito de paina de algodão com todas as sementes. Ele foi comigo pra Berkeley na grande viagem dos 21 anos, quando a vovó já não existia no mundo em carne e osso, só nos corações das pessoas, em objetos imantados de afeto e no olhar do vovô quando falava dela. No dia de ir embora embolei a roupa de cama e o travesseiro foi junto pra lavanderia do dormitório. Em meia hora estava eu num cômodo do tamanho do mundo com uns trezentos sacos pretos, abrindo um por um atrás do meu objeto amado. Achei ali pelo terceiro ou quarto, abracei o travesseiro, o homem da limpeza, enfiei ele na mala e trouxe de volta pro Brasil, pra depois perder em algum canto da vida do qual não tenho memória.

O amor não conhece a palavra fim. O amor só aumenta. O amor é de cada um. “Nada do que amei na vida se acabou e mal consigo andar tanto isso pesa”, disse o Gullar. Hoje é 26 de fevereiro. Domingo. Carnaval. Eclipse da lua em peixes. Minha avó morreu há uns vinte anos. Minha avó me abraça nessa manhã nublada e faz carinho nos meus cabelos compridos. “Princeza”, ela me diz, e abre seu sorriso de colar de pérolas. Alalaô, vó.


25.7.17

Dia do escritor?

Hoje é dia do escritor. Foi. Tá quase indo. Não sei na casa de vocês mas aqui na minha parece que é dia de todas as coisas quase todo dia. Dia do escritor. Dia do poeta. Dia da poesia. Acho que é bimestral. Recebo parabéns, fico feliz, agradeço, mas sei lá. Acho que não vim com o chip desse negódi dia de.

Escritor é quem escreve, né? Quem escreve livro, quem escreve na internet. Quem escreve romance, conto, prosa, poesia. Ou quem escreve poesia é poeta e é outra prateleira? Eu não me digo escritora. Não sei se por humildade ou orgulho. Me digo poeta. Demorei pra ter coragem de dizer. Ouvi numa entrevista que dei há quase uma década que a primeira vez que botei essa banca foi na carteirinha da aula de capoeira. Profissão: poeta. Me ouvi e tava lá tanta coisa sobre a minha história. A maior parte eu já sabia, porque vivo repetindo por aí. Mas umas coisas eu reaprendi. Como essa de ter sido poeta capoeirista por uns tempos. Ralei o topo do dedão do pé no cimento chapiscado do chão da Lagoa umas vezes até desistir de auês e ficar sendo poeta sem berimbau mesmo.

Hoje é dia do escritor e penso que ando lendo pouco. Que ando lendo pouca literatura. Que ando vagando demais por essas páginas sem peso da grande rede de computadores. É dia do escritor e escritor vive de silêncio. Come silêncio pra digerir silêncio e escrever algum som. Tenho andado pouco em silêncio e muito pouco sozinha, apesar da casa vazia toda minha, apesar de estar tanto aqui sem outros corpos. Tem sempre muitas vozes. Muitas letras. Muito assunto. O mundo que desaba. Minha cidade cruel. Golpe sobre golpe no meu país. As vidas das mulheres que valem tão pouco. As escolhas que não podemos ter. As que podemos. A atriz que se separou e teve um filho sozinha. A outra que encontrou no Malaui a filha que nem sabia que tinha. A que pariu o quarto filho aos 48. A escritora que encontrou o amor depois de comer e rezar, que venceu o medo do compromisso pra casar e descobrir anos depois que o amor tava no seu quintal desde sempre, mas agora à beira da morte. Ando lendo demais. Mas pouco em silêncio.

É dia do escritor e sigo escrevendo pouco, como sempre. A pasta "O livro novo" tem trinta e nove arquivos, sendo vários rascunhos e refações. Dezenove poemas. Quase três anos. Se até novembro eu escrever mais dois que prestem alcanço a incrível cifra de sete bons poemas por ano. Acho luxo. Acho lindo. Tô topando e agradecendo. Escrevo pouco como sempre mas ando no palco como nunca, e aqui em casa isso também é ser poeta. Ser escritora já não caberia esse adendo, penso. Mas nem sei nada dessa lida de ter hora pra escrever, de encher páginas e páginas pautadas ou atravessar imensos arquivos digitais.

Quando esse blog nasceu escrever era bem mais cotidiano. Sentar aqui. Pensar alto no tectectec dos dedos. Aqui nasceu uma amizade que gerou milhares de palavras escritas, meu peito aberto diante da tela daquele jeito mais raro. Era escrever e me saber lida. Era troca certeira. Veio o feicibuqui e engoliu o blog. Veio a vida e demitiu o moço dos correios. E agora, fim da segunda década do século, vim eu e disse: ó nóis aqui traveiz! Oi blog. Oi escrita silenciosa da noite.

É dia do escritor e venho ofertar o caminho percorrido por um dos dos dezenove poemas da pasta "O livro novo". É dia do escritor e eu vou ali ler.











20.7.17

Admiradíssima

Acabo descobrir que foi há cinco anos, nesse mesmo dia, que eu inventei, meio sem querer, a série "Admirada": eu dizendo os poemas que amo lá no meu canal do Youtube. Se tu for lá agora tem 115 vídeos. Cento e quinze vezes em que algo eu li me abriu tanto a boca de espanto que as palavras saíram e eu liguei a câmera e pá. Poetas novos e seus primeiros livros. Poetas ainda inéditos no papel. Os grandes, os já consagrados. Admiração pra todo lado.

Tem Drummond e tem Allan Jonnes. Tem Adélia e LuNa Vitrolira. Elisa Lucinda e Viviane Mosé e Manoel de Barros e Samuel Luis Borges. Tem Vitor Paiva, Pedro Cezar, Bobby Baq, Ana Blue, Angélica Freitas, Ana Martins Marques, Marcela Melo, Pedro Bomba, Beatriz Provasi, Renata Corrêa, Elizeu Braga, Mel Duarte, André Oviedo, João Bernardo, Lucas Vasconcellos, Alessandra Colasanti, Ricardo Domeneck, Rafael Iotti, Matilde Campilho, Paulo Scott. E Vinicius, Hilda, Rupi, Wislawa, Warsan, Pessoa, Drexler, Arnaldo. Até Osvaldo Montenegro tem lá.

Hoje, que eu trato a poesia como trabalho, olho pra minha vida e vejo um caminho coerente e absolutamente instintivo. Poesia. Eu vivo disso. Mesmo quando ao invés de receber pelo trabalho, pago. Mesmo quando não me dá nenhum trabalho, mesmo quando é só ligar a câmera e pá. É trabalho e é missão e é encanto e alimento.

E claro que a estréia da ideia tinha que ser com esse poemaço do Everton Behenck, o muso dessa playlist ao lado de dona Aline Bei. Não conhecem? Mergulhem lá na "Admirada" e admirem-se também.

O Risco no Sesc

Dizer poemas na sede do Sesc Rio em plena manhã de chuva, assim sem microfone nem nada... O risco, os riscos...

Evento interno de apresentação do 16° Festival de Inverno Sesc, julho/2017.



De Maria Rezende, Risco.

17.7.17

A imensa revolução do amor próprio

Faz um ano que eu e Ana Alexandrino fizemos o ensaio de fotos que é o cenário do espetáculo Carne do Umbigo. Faz um ano que eu tomei um sacode ao me ver nua pela lente incrível da Cana e li o textão da Jen e escrevi o meu.

Ontem eu tive uma reunião com amigas prum projeto novo no qual tô a fim de botar pra jogo os ângulos ainda inéditos dessa sessão. Um ano em que eu me propus a me amar como eu sou. Um ano dessa imensa revolução.

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Senta que lá vem #textão.

Então hoje foi o dia em que a Jennifer Aniston, musa da minha geração, escreveu um textão dando um basta na pressão infinita de magreza como sinônimo de beleza que ela sofre há décadas. Ela é uma mulher de 47 anos, está casada e não tem filhos, e não pode ter um arremedo de barriga numa foto sem que anunciem em capas de revista que ela está grávida - ficando claro que se ela não estiver, e vier a público desmentir (porque afinal não dá pra fingir que tá grávida, né?), aí fica bem claro para todo o mundo que ela está é "gorda" mesmo.


Toda mulher sabe o que é essa pressão, mas nenhuma de nós a sofre tão publicamente quanto as mulheres famosas, especialmente as que ficam famosas por sua beleza. Semana passada eu tirei fotos sem roupa com a incrível Ana Alexandrino, recortes expressionistas de closões do corpo pra servirem de cenário pro meu espetaclinho. Quando acabamos a tarefa falei "Cana, já tô aqui pelada, bora fazer uns nudes preu guardar na pasta: Maria aos 37". Fotografamos, rimos um bocado, ela me disse: te mando as fotos e posso mexer no que você quiser, mas acho que tá tudo lindo. E eu disse: eu não quero mexer em nada, quero aproveitar pra ver como eu sou de verdade e aprender a me achar bonita assim, mas vamos ver se meu ego deixa… Mais tarde no mesmo dia ela me mandou uma das fotos dizendo "olha que linda você" e eu olhei e só via minha barriga, minha barriga imensa, minha barriga semi grávida.

Aí hoje eu vi a barriga da Jennifer Aniston na nojenta capa de revista, e pra meu espanto dei um suspiro egoísta: caraca, a barriga dela é que nem a minha! Pra em seguida me sentir péssima por encontrar alguma espécie de alívio numa situação tão escrota vivida por uma outra mulher. Pra em seguida me dar conta de que eu estava, ainda mais uma vez, me comparando a outra mulher, em busca de afirmação. Pra em seguida ler a carta dela e aplaudir de pé, e entender ainda mais uma vez que a gente tá imersa demais nessa cultura pra conseguir se safar dela racionalmente, e pensar que precisamos desesperadamente mudar esse padrão que só impõe sofrimento a todas as mulheres do mundo.

Pior ainda: que faz sofrer as meninas. Ontem jantei com uma amiga e sua filha linda de onze anos que me disse "tia Maria, as vloggers do Youtube, elas já acordam lindas! Sem UMA olheira!". Aos onze anos eu fui pra Disney e exigi: na volta iria ao médico de regime porque ia engordar muito de tanto comer cachorro quente. Essa aí de maiô e canga sou eu aos onze anos na Disney, sem coragem de usar biquíni. Na volta da viagem eu passei meses comendo sopa e carne e perdi bochechas e bunda, que afinal era tudo que eu tinha pra perder.

Aquela ali de calcinha, sutiã e aparelho nos dentes sou eu aos dezesseis no camarim da peça do colégio, na época em que frequentava o Vigilantes do Peso e vivia pesando ítem por ítem do prato: pesa o arroz na balancinha, agora pesa o feijão, agora a carne, agora come tudo frio mesmo e tá bom demais. Aquela ali abraçando a Marieta Severo sou eu aos dezessete, e olha a tal da barriguinha já ali, sempre ali comigo. Aquela encostada na parede, de vestidinho e saltão, sou eu aos trinta e sete, e minha amiga barriga continua comigo. Aquele closão de barriga de grávida ali embaixo sou eu também, sábado passado. Só que como a atriz famosa me ajudou hoje a conseguir dizer: eu não tô grávida não, tô é de saco cheio de não conseguir achar bonita a mulher que eu sou. Trinta e sete anos, Maria, se liga: essa barriga é a tua barriga, mana, para de brigar com ela que cês duas vão ser bem mais felizes. O melhor jeito da minha filha - caso ela venha um dia - não se detestar aos onze anos, é ter uma mãe que se curta com todas as suas partes. Obrigada Jen pelo sacode no mundão e aqui dentro também.


Essa aí de maiô e canga sou eu aos onze anos na Disney, sem coragem de usar biquíni. 
Essa aí de calcinha, sutiã e aparelho nos dentes sou eu aos dezesseis no camarim da peça do colégio, na época em que frequentava o Vigilantes do Peso.


Aquela ali abraçando a Marieta Severo sou eu aos dezessete, e olha a tal da barriguinha já ali, sempre ali comigo.

Essa encostada na parede, de vestidinho e saltão, sou eu aos trinta e sete, e minha amiga barriga continua comigo. 




Esse closão de barriga de grávida aqui em cima sou eu também, sábado passado. Só que como a atriz famosa me ajudou hoje a conseguir dizer: eu não tô grávida não, tô é de saco cheio de não conseguir achar bonita a mulher que eu sou. 


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Original da carta:
http://www.huffingtonpost.com/…/for-the-record_us_57855586e…

Em português:
http://www.brasilpost.com.br/…/para-que-fique-claro_b_10960…

EDIT:
Acrescentando link pro live que a Luana Piovani fez hoje, bem luanapiovanescamente mandando uma real que eu assinei embaixo:
https://www.facebook.com/luanapiovanioficial/videos/753016071468286/?pnref=story

EDIT #2:
Meu amigo François Wolf lembrou que Tarantino lacrou o assunto barriguinha com essa cena antológica do Pulp Fiction, que não só faz uma ode a ela como nos relembra que dane-se o que os outros vão gostar, e termina: é uma pena que o que é prazeroso pro toque tão poucas vezes seja prazeroso pro olho. Gracias François e muchas gracias Tarantino!
https://youtu.be/E2TAmGmsw-o

11.6.17

Monólogo Público: obrigada, Michel





Esse é o Michel. O Michel é um monstro de luz. E de sombra. O Michel faz poesia com o corpo todo. No corpo do Michel tem cabeça peito bunda que bate no chão tem olho mão braço comprido pé barriga coração. No corpo do Michel tem um demoniozin irônico e um anjo que só diz verdades. 

Eu tô de peito rasgado a canivete enferrujado de avô, peito estraçalhado de pomba no alto da casa em frente, eu tô sangrando que nem aquele lutador de MMA recordista mundial de esguicho, eu tô agradecendo a sorte grande de estarmos vivos no mesmo lugar ao mesmo tempo, de ter visto o Michel, menino grandalhão, dizer poemas no palco do CEP 20.000, muito antes de eu imaginar que também iria dizer poemas ali, de ver em tempo real as marcas que ele deixa na superfície do mundo e poder abraçar ele depois, eu tão maior do que era quando sentei atrás dessa cabeça aí da foto. O que mais tem no Michel é coragem.

"Monólogo Público", de sexta a domingo no Sesc Ginástico. Só mais duas semanas. Não perde não, inocente. Vai lá sangrar também.

10.6.17

Lisboa: estréia no Bartô

O Bartô era nosso primeiro palco da turnê. UAU, todo mundo dizia! O bar do Chapitô, a incrível escola de teatro e circo de Lisboa, pendurado na Costa do Castelo, no alto das ladeiras da Alfama, sobre o mar. Uma referência na cidade. Pra mim, além de tudo isso, o Bartô era a casa da Susana e do Tércio, meus amigos que já tinham me acolhido na minha primeira ida a Portugal, no seu lindo e saudoso Mini Teatro da Calçada.

Por escolha e por acaso, porque tudo dessa turnê produzida com tão pouca antecedência foi uma soma desses dois, calhou de nossa estreia ser lá. Quarta-feira, 17 de maio. Com show do Luca Argel e do Mariano Marovatto no depois. No domingo anterior fomos fazer uma visita técnica e nos demos conta da trabalheira que vinha pela frente. O telão da casa era quadrado, e meus vídeos são retangulares. Além disso o Bartô é um L e o projetor ficava de frente pro lado do bar, e eu queria me apresentar de frente pra biblioteca. Ao testar o som, meu computador fez PUF e o som dele morreu.

Os dias seguintes foram de correria, instalação do Final Cut no computador da produtora caso o meu desse pau de vez (tiamo Liv!), descoberta da existência de uma maravilha chamada "placa de som externa" (tiamo Kuzka!), compra de tecido pra fazer uma nova tela (tiamo Saulo!), teste da projeção na posição que queríamos (tiamo Artur!), ajuste de cada foto e cada vídeo praquele tamanho e formato (eu me amo também!).

Na quarta-feira lá estávamos nós, animados mosqueteiros ajustando o que faltava. O palco era uma espécie de piscininha - lá já foi um presídio feminino, e ali as presas lavavam suas roupas. Adaptamos o cenário da Lara de luzes e tule praquele espaço. Chão de madeira, tecido preu pisar, pedra ao redor. Tudo pronto, quero ir me concentrar mas chega um amigo, chega outro, não consigo sair.

Eu saí do Rio dizendo pra família: eu quero é ir e fazer. Se tiverem cinco pessoas na platéia já tô no lucro. E aí foi chegando mais gente. Amigos. Amigos de amigos. Amigos da Liv. Desconhecidos. Amigos até então só de internet. Noivos que eu casei. Quando subi pra me vestir já era quase hora de entrar em cena. Pisei no palco menina de tudo, segura e insegura naquela exata medida.

E depois disso não sei mais de nada.

#umbigonazoropa

Lisboa, Bartô, 17 de maio de 2017.




Poesia por aí


Durante a turnê na Europa nasceu sem plano nem pompa uma nova playlist no meu canal do Youtube. #poesiaporaí na verdade nasceu como hashtag de vídeos no Instagram, e a Liv, minha produtora & camerawoman maravilhosa, pirou na idéia: temos que fazer em TODAS as cidades!! Claro que não rolou, né? Mas agora, já em casa, baixando e revendo as milhares de fotos e vídeos, não tem como deixar a ideia morrer.

"Poesia por aí" é poesia dita pelas ruas, e nessa viagem foram muitas ruas de muitas cidades... Aqui os três primeiros!

#umbigonazoropa #turnêdasmina #poesiaporaí






Lisboa - Poetas do Povo

Dois dias antes do espetáculo estrear em Lisboa, tive a honra e a alegria de ser uma das convidadas pelo Nuno Miguel Guedes pra participar do Poetas do Povo. O evento acontece semanalmente no Povo, restaurante delicioso na famosa rua rosa, e essa era a edição #209! Uma edição só de mulheres, batizada de "Ela por ela", então eu fiz minha primeira rodada de poemas nessa onda, com o contrabaixo lindo da Sofia Azevedo. Depois que me descobri feminista me dei conta de quantos poemas eu tinha sobre o feminino e o que é ser mulher.

O roteirinho teve:
Adélia Prado e seu fundamental "Com licença poética"
"Uma mulher é uma mulher", do meu primeiro livro, "Substantivo feminino"
"A musa do século 21", do meu segundo livro, "Bendita palavra"
"Pulso aberto", do meu terceiro livro, "Carne do umbigo"
e de quebra o hit "Pau mole", que acho que é um ponto de vista muito feminino sobre os homens...

Poetas do Povo, Lisboa, 15 de maio de 2017

Convidadas: Claudia Clemente, Maria Rezende, Marta Hugon e Rita Telhada
Música: Sofia Azevedo
Host: Nuno Miguel Guedes

#umbigonazoropa


Lisboa - Sarau Rua das Pretas

Rua das Pretas é um sarau incrível capitaneado pelo Pierre Aderne. Uma noite que mistura música, poesia, vinho e feijoada. Brasil & Portugal de mãos dadas!

Estive lá no sábado anterior à estréia do espetáculo em Lisboa, conheci uma pá de gente bacana que depois foi me assistir, e ainda tive a honra de dizer poemas com o incrível Pablo Lapidusas no piano. 

Depois ainda rolou o lançamento mundial da nossa primeira parceria, minha e do Pierre, canção dele sobre meu poema "Bipolar". 

Lisboa, Rua das Pretas, 13 de maio de 2017.

#umbigonazoropa #eurotour #amariadapoesia





5.6.17

#umbigonazoropa : o resumão

Eu só queria estrear, sabe? E ver como ia aguentar o batidão de apresentar quatro dias seguidos, eu que até então só tinha feito o espetáculo uma vez por semana. Não planejei escrever relatos, eles foram surgindo com o passar dos dias, enquanto a pele ia ficando cada vez mais fina e a carne cada vez mais viva. Aqui então um resumão em muitas palavras e poucas imagens do que foram as cinco noites de #umbigonazoropa. Em breve mais fotos, vídeos de pedaços dessas noites, de mergulhos no mar & dentro de mim mesma. Aqui, no blog antigo novinho em folha, feito pra nunca mais se perder.


LISBOA, BARTÔ

17 de maio, quarta-feira

Estreamos. Estreamos com casa cheia, portugueses e brasileiros, amigos antigos e novos e até gente que eu nem nunca ainda tinha visto ao vivo, olhares tão calorosos que até suei na noite fresca da primavera lisboeta. Essa sou eu dentro de uma espécie de piscina que já foi tanque de lavar roupas de um antigo presídio feminino e que hoje é o Chapitô, esse espaço mágico de circo e arte. Taí meu maior risco da vida até hoje, acho. Taí meu coração escancarado.

Estreamos. Obrigada a todos os envolvidos - todos mesmo, nossa equipe, quem veio ver, quem quis vir, quem tá no Brasil e marcou os amigos, quem mandou axé. Sentadinha no trem rumo ao Porto pra apresentação de hoje, eu sou realmente o amor da cabeça aos pés. 




PORTO, MIRA ARTES PERFORMATIVAS
18 de maio, quinta-feira

Porto. Um cubo de cortiça por todos os lados. Trinta lugares. Chega mais gente, tá lotado, tem mais cadeira ali. Manuela, a dona do espaço, me apresenta com as melhores palavras. Faz frio no camarim. No palco faz calor. Eu digo meus poemas como talvez nunca antes. As palavras soam novinhas, o corpo leve. É um espetáculo, é uma brincadeira. Os portugueses aplaudem pouco - no início. No meio já aplaudem mais, no final me abraçam muito. Vendemos todos os livros. A Patrícia dizia "é só hoje, quem não comprar vai ficar sem". Eles compraram. Eram 34 livros. Trinta e quatro! Voltamos pra casa, que essa noite era a galeria de arte propriamente dita: por trás da porta da exposição linda do Maia, nossos quartos com teto solar. Manuela e José, os donos, esquentam caril da vernissage e nos alimentam enquanto limpam a bagunça da cozinha. Vamos tomar um vinho na beira do Douro, faz frio, rimos, espantados de beleza e alívio e alegria.

Metade da turnê portuga. Hoje um trem pra Lisboa, um banho na nossa casa que não é galeria de arte mas é lar, já, e logo tudo de novo: desenrolar 40 metros de tule sobre luzes de led com Livian e Saulo, ajustar cada foto praquela parede, testar o som, achar que não vai dar tempo, dar tempo, vestir o figurino, entrar em cena, ver sem nem olhar Liv concentrada dar o play e ouvir o primeiro vídeo dizer "eu sou aquela que tem calma". Ter calma com o coração a pulsar no peito, na boca e na palma das mãos.

Obrigada Espaço Mira e Mira Artes Performativas por essa noite inesquecível de arte e afeto. 



Pra ver as fotos lindas da Patrícia Barbosa clica aqui.


LISBOA, CAFÉ DO LARGO
19 de maio, sexta-feira

Terceira apresentação em três dias. Lisboa de novo, depois de mais um trem. Pouco tempo pra montar, o Kuzka e Gilles terminam de passar o som, estamos ficando cada dia mais sagazes, Saulo faz magia pra alinhar a projeção torta, Liv ninja monta a luz, a banca de livros, me alimenta e passa arnica na minha escápula bichada. O Café do Largo fica numa residência artística, meu camarim é um quarto com cama de casal e banheiro, mesinha e abajour.

Tô acabando de me maquiar quando chega a notícia: o laptop do Kuzka morreu. Morreu de que?! Como?! Ninguém sabe, mas tá morto. Ligo pra ele, ele que me salvou domingo quando a placa de som do meu laptop morreu. Não vai ter show depois. Meu coração vai na boca. "Desce que tá muito atrasado", apita a mensagem da Liv. Me visto estupefata, entro em cena e ouço "eu sou aquela que tem calma". A calma demora uns cinco poemas a vir.

Na platéia lotada novos amigos, a Lua da Bahia e a Sara de Lisboa, a Luzia que já assistiu quarta e voltou, a Marysia que quarta se trancou fora de casa mas hoje tá livre e veio, o Vital que carrega meu risco tatuado no braço e que nos deu Saulo de presente, o Gilles que passou som e não vai mais tocar. Aviso que tô nervosa, erro um tanto, alguns sorrisos na platéia são como sóis, Anna Maria, Artur, uma portuguesa recita junto comigo o poema do Pessoa, o coração aquece, a sala ferve, eu suo muito e relaxo os músculos, começo a dizer tudo novinho de novo. Hoje é bar, tem microfone, tem canja musical, Pierre Aderne tocando nossa parceria, eu canto como se cantora fosse, com a alma feliz. "Por que é que a gente separou?"

Terceira noite seguida de dizer os versos que um dia escrevi e ver os vídeos que fiz com imagens e as fotos da Ana com imagens do meu corpo. É insano. Saio de cena em carne viva. Hoje cedo trem e mais. Ovar. Norte. Tem mar, faz sol e não trouxemos maiô. Dormiremos e depois: desbravar mais uma camada de carne. A pele já nem se vê mais. Turnê.



Pra ver as fotos lindas do Alfredo Matos clica aqui.



OVAR, CASA DO POVO
20 de maio, sábado

“Leva biquíni”, diz a produtora quando estamos quase saindo de casa em Lisboa, atrasados pra pegar o trem. Eu ri e bati a porta. Três horas de trem depois e a surpresa: Ovar tem mar. Não era brincadeira. Uma cidade mini, uma cidade marítima, uma cidade de azulejos e brasileiros - como eram chamados os muitos portugueses que foram fazer a vida no Brasil quando voltavam pra lá. Dormimos muito tortos no trem menos moderno, chegamos exaustos e famintos. Gil nos busca na estação de comboios, nos leva pra comer e planejamos: depois do almoço, ir ver o mar. Depois do almoço: cama. De todo modo o mar é gélido, diz o dono do hotel. Ufa, penso, nem vai fazer falta o biquíni. Às 17h chegamos na Casa do Povo, um prédio restaurado onde funciona a AV FM, a rádio que está promovendo a noite. Reencontro o Sandy, um abraço de amigos quatro anos depois da única vez em que nos vimos. É a convite dele que venho. Do nosso único encontro em Famalicão em 2013, quando pela primeira vez disse poemas na minha língua em outro continente, e no final um escocês de português meio troncho me abordou tímido pra dizer “tu és uma força da natureza”. Às vezes as redes são mesmo redes, enlaçam, juntam.

O teatro é um brinco, uma caixinha de música, o primeiro palco italiano da história do “Carne do Umbigo”. É também nossa primeira montagem serena, sem percalços, sem problemas. O Sandy sim tem percalço: seu violão de repente para de conversar com a mesa de som. Não é possível, penso. Minha placa de som morreu, o laptop do Kuzka morreu, agora a parte elétrica do violão do Sandy. Serei eu? Tô dando choque? Sei que tô energética. Tô fio desencapado de emoção. Sandy nem se abala: é só microfonar o violão. Vamos ensaiar nossos momentos juntos que é o que importa. Poemas em duas músicas, ouço eles tocarem de livros na mão, buscando palavras que conversem com as canções. Vamos jantar, nossa equipe, a banda dele, volto antes pra ficar um pouco em silêncio. No palco minha projeção é atravessada pelos instrumentos, meus metros e metros de tecido envolvem pedestais e retornos, a noite é nossa, tudo se abraça.

Me visto no banheiro mais lindo do mundo, um mar de azulejos azuizinhos. Tô pronta, Saulo aparece como combinado, abraço ele com jeito de último dia mas ele tá assustado, a luz caiu, não é pra eu ir ainda. Lá vem coisa, penso. É com emoção, tem jeito não. Liv me chama: a projeção sumiu. Calma, de figurino, casaco, meias e sapatos, desço as escadas e penso que sei exatamente o que fazer. Aperto aquela meia dúzia de comandos no Final Cut e pronto: já está. Suspiros de alívio gerais. Em cinco minutos tô no palco. Casa cheia. As janelas abertas me revelam a quietude de um sábado à noite numa pequena cidade portuguesa. Na platéia muitos jovens, o oposto do Porto onde a maior parte do público era bem mais velho do que eu. Eles aplaudem calorosamente desde o primeiro poema, coisa ainda inédita por aqui. A cada noite os aplausos começam mais cedo, como se todas as platéias fossem a mesma e fossem ficando mais quentes na medida em que passam os dias. Ou talvez seja eu mais quente, cada dia mais nua, mais sem pele. Chamo meu último vídeo e subo pra trocar de roupa, lá de cima ouço os aplausos explodindo e silenciando na medida em que a voz do Sandy em vídeo invade o espaço. Hoje não tem créditos finais, não tem volta pra cena, hoje não tem fim. 

Quando volto, já sem figurino, Sandy tá no palco com Edgard e Pedro, e soam os acordes da primeira canção. Como é linda a música dele! Que imensidão! Já na segunda música ele me chama, sento no chão e leio os versos de um poema na parte instrumental de “Song of the shadow”. Só depois me dou conta de que é “Quarto crescente” o mesmo poema que gravei em espanhol em Barcelona ano passado e que vou fazer ao vivo depois de amanhã com Pau no show lá. Volto pra platéia e mergulho na música linda dele. “Sunday mornings” é uma canção sobre as manhãs de domingo em família, ele conta antes de cantar, e antes do meio da música já tô banhada em lágrimas boas. É muita beleza no mundo. Meu coração é uma plantação de alfazema. Lilás. Perfumado. No bis eu volto pra mais um poema e nem sei como falar em público mais. “No escuro dos olhos fechados me equilibrar no desejo”. O poema me salva. Fecho os olhos e sinto a música e danço com a língua.

A noite acaba. Acabou a turnê portuguesa. Nada acabou. Coisas assim não têm fim. Eu estiquei sem rasgar, que nem peito adolescente com estrias roxinhas de crescer num salto, num susto. Vamos dormir quase cinco e às nove e meia tô de olho aberto, correnteza de sensações. Tomo café, faz sol, decidimos ir pelo menos ver o mar e molhar os pés na água gélida. Liv, Saulo, Sandy, Edgard, pés na areia, corto o dedo numa pedra, enfio os pés na água e ela é deliciosa, fria e amorosa como o mar de Ipanema no verão. Topless pode mas minha calcinha é transparente, e o vestido novo de 15 euros, comprado pra ser camisola e que já virou roupa de falar na tv é agora maiô. “Ó mar salgado, quanto do seu sal são lágrimas de Portugal?”. Mergulho. Nos olhos o sal de dentro e o sal de fora. “Quando entrar na água sempre agradeça”, diz a mãe. Obrigada, obrigada, obrigada. Segunda onda. Terceira. Mergulho, agradeço, choro muito e rio demais. Do lado de fora do mar Liv me espera com um abraço. “Olha só onde nós estamos!”. Olha só, parceirinha. Que coisa mais linda nosso encontro, duas entusiasmadas, realistas esperançosas, místicas, com o dom da alegria e as mãos cheias de sim. Turnê das mina. É nóis demais. Maquiagem no taxi, massagem na coxia, abacate de manhã, pastéis de nata, fotos e vídeos a qualquer hora. O trem sai em uma hora, não tenho shampoo nem pente, lembro do trecho do poema inédito que diz


“Cabelos não sentem
não suam
não têm função
servem só pra fazer falta quando faltam
servem só pra enfeitar e carregar

Levam o mar em nós de sal
a água doce antes de evaporar
o suor do desejo consumado
e cada cheiro do caminhos

Cabelo vivo
guardião de beijos
ninho sem pássaros
perfume em que os dedos podem se enroscar”


Três e dez da tarde de domingo, 21 de maio de 2017. Carrego os últimos quatro dias nos cabelos e dentro do peito e na carne que pulsa sob a pele. Sou eu mesma e muito outra. Sou eu mesma atravessada de força e beleza. Nunca fui tão eu mesma antes. Arriscar: não existe nada melhor. Sou eu mesma, maior.




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BARCELONA, CLUB CRONOPIOS
23 de maio, 3a feira

Barcelona. Última apresentação da turnê. Acordamos às cinco da manhã em Lisboa pra pegar o voo às 9h. Eu tinha ido dormir às 2h e sabia que precisava de mais sono mas meu plano era finalmente fazer o que achei que teria feito em todos os trens: estudar os poemas em espanhol. Só que agora já era a véspera do espetáculo. Ainda daria tempo de aprender? Por que eu sou essa louca que se joga de abismos tão imensos, meu deus? Por que eu sou hippie e fui ao mar agradecer ao invés de praticar?

O voo decola, Liv dorme, eu pego o celular com as mil mensagens da Paula corrigindo e comentando cada poema, falando com seu espanhol bonito que eu vou tentar copiar. Franco traduziu todos os poemas há mais de um mês, Miguel aceitou ser meu professor de espanhol à distância e me corrigiu e respondeu todas as dúvidas esquisitas que minha poesia gera: buceta em español, melhor dizer concha ou coño? Pau mole, como fala? Gozo tem que ser disfrute? Ah existe a palavra gozo mesmo? Boa. Ando há semanas com esse papel na bolsa, mas estudar que é bom só ali, no avião, faltando menos de 48h pra estrear bilíngue pela primeira vez.

Chegamos e Maria Elisa nos espera com aquele jeito das melhores mães. Nos leva pra almoçar, pede vinho, eu queria estudar, digo, mas comemos e bebemos e falamos das melhores coisas. Saulo chega, se junta a nós. Eu digo poemas em espanhol, ela se emociona, elogia. Sereno um cadin. A embaixadora, atual Cônsul do Brasil em Barcelona, a mãe da Aninha, querida minha, aprovou meu sotaque. Vou ao consulado conhecer Edgard, o homem que achou boa minha insana ideia de espetáculo bilíngue e disse “venha e vamos fazer acontecer”. Nos reunimos na Sala João Cabral de Melo Neto e sorrio pra esse acontecimento. Saio de lá já atrasada pra visita técnica no Club Cronopios, onde está Luciana, da Meta Brasil, a outra instituição que organizou com a gente essa vinda. O clube é lindo, um clube literário que não cobra ingresso mas exige associação, testamos projeção, som, tudo impecável, ajusto as fotos e deixo tudo pronto pra amanhã, saio correndo atrasada pra ensaiar com Pau.

Pau é meu amigo baterista, músico incrível e no estúdio de quem eu gravei poemas em espanhol ano passado. Nesse dia, quando fui gravar lá, falei pra ele que tinha pensado em juntar um poema meu que fala sobre mulheres com uma canção que me salvou a vida numa madrugada uns meses antes, uma canção xamânica, curadora, de uma mulher chamada Amparo Sanchez. Amparanoia? ele me perguntou. Não, eu disse: Amparo Sanchez. Mas ela mora aqui, disse ele. Paralisei. Não era possível. Era meu penúltimo dia, entrei no Facebook, escrevi o nome dela, e não só ela morava na cidade como tinha tocado na véspera. Morri. Voltei a mim e fiz o que faço numa hora dessas: escrevi pra ela contando tudo isso. Da sua canção que me salvou, da gravação que estávamos fazendo, da minha admiração, do meu desejo de mandar pra ela meu livro. Ela responde, carinhosa, gentil, eu quase morro de alegria. Nos falamos algumas vezes depois disso, e eu mal posso crer que troco mensagens com essa mulher tão poderosa e importante pra mim. Pau então, sem planejar nem nada, me deu Amparo de presente, e serei eternamente grata por isso. Quando marquei o espetáculo aqui logo convidei ele pra fazermos dois poemas com seu lindo hang. Chego pra ensaiar exausta, bocejante, sem conseguir concatenar bem os idiomas, e logo tô animada, sorridente, feliz com nossas ideias e como elas se concretizam no ensaio.

Ele me chama pra ir ao WTF Jam Sessions no Jamboree, onde nos conhecemos, motivo de eu ter trocado minha passagem da última vez, só pra poder dizer poemas naquele palco. Tô cansada demais, só quero comer algo rápido e ir pra cama, e penso: aproveito a carona e apareço de surpresa no Viana, dou um beijo em Miguel e Arek, como aquele tartare de atum genial e vou dormir. No caminho Miguel escreve, vai jantar com amigos, eu não quero me juntar a eles? Invado uma mesa galega, todos riem muito, falam coisas bonitas que eu não entendo bem, Miguel vai pedindo delícias, é uma degustação, é um spa de alegria, eles bebem vinho, eu bebo água, comemos como loucos, as gargalhadas aumentam, a sobremesa chama “às vezes melhor que sexo” e eu penso que bom é não lembrar da última vez que o sexo foi pior que chocolate. Volto pra casa leve, bem mais tarde do que tinha planejado mas muito mais descansada do que estaria se estivesse deitada vendo celular e tentando ensaiar com a cabeça derretida.

Acordo terça 11h30. Tô serena, tô segura. Só preciso ajustar o roteiro e mandar pra Liv e Saulo imprimirem. Marcamos ensaio de 13h às 14h30, daí eu descanso até às 17h quando temos que estar lá, penso. Só que não, claro que não. Eram muitas mudanças no roteiro de Portugal. E no projeto do Final Cut. Trocar todas as deixas em espanhol. Botar os vídeos legendados. Abrir espaço pra participação especial do Pau. Ver email pra checar se Amparo confirmou mesmo que vai.

Amparo vai? Amparo vai. Amparo vai! Porque é claro que assim que eu fechei o espetáculo em Barcelona, além de convidar o Pau, eu convidei a Amparo. Porque seria das maiores honras e alegrias da minha vida inteirinha ter essa mulher no palco comigo, e eu não tenho medo de não. Convidei ela no início de abril. Amparo nunca me viu na vida, não é minha amiga, mas diz que pode ser que esteja na cidade e adoraria ir me assistir. Então, eu continuo, não quero você na platéia não, quero você tocando “Alma de cantaora” enquanto eu falo “Pulso aberto”. Ah, ela diz, pode ser que sim, vamos ver mais perto minha agenda? Vamos. Vamos sim. Meu coração palpita a cada mensagem que ela responde. Tão fácil seria ela me despachar, ilustre desconhecida que sou. O tempo vai passando e ela vai dizendo cada vez mais que sim, mas me pede pra não incluir seu nome na arte, e ficamos assim, com Amparo leve e meu coração fazendo figa. É terça-feira, dia 23, 14h, e chega o email: “Hola Maria, tengo apuntado en mi agenda tu espectáculo hoy, a que hora va a ser?”. Eu dou um grito sozinha na casa vazia. Choro de soluçar. Amparo vai. Que fodona e maravilhosa é a vida!

Depois disso é tudo um flash. Ensaiar. Lavar os cabelos. Botar o vestido mais bonito. Chegar no clube e esperar que cheguem as pessoas que vão abrir com faca afiada de amor o meu sorriso. Miguel chega, ele conseguiu mesmo não ir pro restaurante, que alegria! Pau chega com sua bici. Amparo chega. Abraço ela, toda fã, menina de seis anos sem saber onde botar as mãos. Entramos na sala de espetáculo, um hang, um violão azul, um coração saindo pela boca. Ela começa a cantar como se fosse normal: “Soy el poder dentro de mi”. Eu nem sei como existir ao vivo nesse momento. Volto à madrugada insone em que eu não sabia mais quem eu era e essa canção me deu a mão até a chegada da manhã. Pau começa a tocar junto e é lindo Inventamos juntos como fazer, sugiro falar o poema no início, não quero incomodar, não quero dar trabalho, ela diz não, fala no meio, eu abro um espaço pra você. Parece impossível mas tá acontecendo. O nervosismo da tarde sumiu e tenho agora a alegria de quem batalhou pelo sonho e tá vendo ele virar carne.

Vou me vestir e maquiar, não podemos atrasar. Fico pronta e nada. Liv vem: espera que tá chegando gente. Ela volta: espera que tem muita gente, espera que lotou e estamos tentando acomodar. Mas o cara não disse que cabiam 70 pessoas?! Pois disse. E já só tem lugar no sofá de ladinho. Me fecho no camarim de um metro quadrado e repasso na cabeça a ordem do roteiro toda diferente, que poema em português encadeia com qual em espanhol, é “retrasado” e não”atrasado”, célula madre e não tronco, e aquele verso “se retuerce o rostro, se contorce el gesto, me laten los pies, se descontrola el ojo izquierdo” travalínguas tá na ponta da língua já.

Luciana fala em nome do Consulado e da Meta Brasil, me chama, eu vou. Não tem uma cadeira vazia. Liv dá play no vídeo: eu sou aquela que tem calma. Entro em cena em português, passo direto pra Carne del ombligo en español: eclipses en escorpión, cambio, revolución. O poema acaba e os aplausos são calorosos. Eu rio, já suada de nervoso e calor humano. Todas as falas entre poemas serão em espanhol - ou no meu portuñol selvage, explico. Digo que não sou fluente mas arte é risco e vim correr o maior da minha vida, e se é pra ser assim vou logo então ler um poema curto em português, espanhol e catalão (obrigada Pau pela tradução & aula). Eu tô na corda bamba e tem cento e quarenta mãos pra me acolher caso eu caia. Mas eu não caio. É minha noite de equilibrista bailarina, cada língua é uma torre do World Trade Center e eu ando leve entre elas.

Chega a hora da Amparo. Conto a história. Chamo ela. Nos abraçamos em cena, no meu palco, sobre meus muitos metros de tule cor de pele, eu de figurino, com o coração na buceta e um pulmão nos joelhos, nos abraçamos e Pau vem com a gente e a noite mais épica da minha vida acontece de verdade, naquela hora. Amparo começa a cantar e eu fecho os olhos e ponho a mão no peito e na barriga e choro sem nem medo de borrar a maquiagem. Na hora do poema cadê espanhol? Falo minha língua, e ela reage aos versos e toca baixinho e retoma o refrão quando eu termino.

Parece que nada mais pode existir depois disso mas existe muita coisa bela. Tem mais poesia, tem a canja linda do Pau fazendo nossa gravação pela primeira vez ao vivo, “Quarto crescente” em espanhol com hang, e a novidade de “Transparência” comigo cantando “Sanar”, do Drexler, como eu sempre sonhei fazer e nunca tive coragem, mas do que ter medo em uma noite como essa? E aí tem aplausos de pé, tem eu chamando Liv no palco e chorando ao agradecer a ela toda a parceria que fez essa loucura ser possível e tão incrível, tem Miguel tímido com meu agradecimento por toda sua ajuda com meu espanhol, tem todos os livros vendidos e lista de espera de quem ficou sem (mas como se trouxemos cem livros do Brasil?! assim mesmo: esgotaram todos!), tem Maria Elisa emocionadíssima e eu feliz de não ter dado vexame e constrangido o Consulado, tem Kika e Mickey que conseguiram chegar antes de acabar, tem Luciana feliz e nós gratos ao seu marido que foi tirar fotos, tem Sabrina que veio e trouxe amigos e nos ofertou um fotógrafo pra gravar na íntegra (gracias, mujer!!), tem uma trupe de dezesseis pessoas andando pelas ruas de Barcelona até sentar na Rambla do Raval numa mesona ao ar livre e tomar sangria e comer massa e se beliscar pra crer na imensidão de beleza que acaba de acontecer.

Acabou nossa turnê. Cinco noites. Quatro cidades. Dois aviões. Quatro trens. Um sonho meio louco. Duas mulheres entusiasmadas achando a loucura uma ótima parte da vida e focando no sim e se dando força na hora das merdas e rindo na madrugada. Acabou. Mágica. Imensa. Inacreditavelmente bela. E pra toda a eternidade eu vou me lembrar da noite em que cantei junto com Amparo e toda a platéia a canção que me deu a mão. A todos vocês que me dão tanto a mão também, agradeço lá do palco, com uma mão na barriga e outra no coração.



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#umbigonazoropa #amariadapoesia #carnedoumbigo #turnêdasmina

4.6.17

Eu voltei! Agora pra ficar...

Quatro de junho de 2017. A data vai estar ali em cima, eu sei, mas escrevo como escrevia na escola, como se fosse o primeiro dia de aula e essa fosse a primeira página do caderno novo. No caderno antigo a última página diz: 27 de maio de 2015. É a data do último post aqui até esse, até hoje. Dois anos depois, ó eu aqui de volta.

Lembro de quando primeiro quis ter um blog. Eu ainda morava com meus pais, não entendia lhufas de internet e chamei o Gluz lá em casa pra me ensinar como colocar negrito, como usar itálico, como colocar links. Criei o blog, não engrenei, daí esqueci a senha e o negócio não foi pra frente.

Um tempo depois tomei coragem de novo e esse blog aqui nasceu. Dezoito de maio de 2004, me diz o arquivo de posts. Essa, aliás, é a razão pela qual volto, treze anos depois (TREZE?!). Arquivo. Memória. Coisas que o Feicibuqui não me oferece. O Feicibuqui, aliás, hoje me deu de presente um videozinho comemorando meus oito anos lá. Ao longo desse tempo eu fui achando blog um negócio antigo, obsoleto, e pra que escrever aqui pra depois compartilhar lá se eu podia simplesmente escrever lá direto, né?

Porque aqui tem arquivo. Memória. E lá meu textão de dias atrás já sumiu na fumaça, e eu mesma se quiser reler peno por horas tentando encontrar. Já aqui tem arquivo. E nele eu fico sabendo que fiz 27 posts em 2004. 55 em 2007. 115 em 2011. Se eu quero achar um texto antigo eu penso numa palavra chave e pimba: ele aparece. Para o bem e para o mal, nada some no Blogspot.

Hoje, junho de 2017, voltando da incrível turnê do Carne do Umbigo na Europa, me dei conta de que não quero perder os relatos emocionados que fiz daqueles dias. Deu vontade de ter de novo onde escrever longos textos e poder voltar a eles sempre que quiser.

Então, quem diria, voltei. De cara nova, com foto linda do ensaio da Ana Alexandrino pro espetáculo como fundo, mais discreta do que nunca e com animação adolescente. Voltem também, migos. Voltem sempre.

27.5.15

Na tv em BH

Alegria imensa minha ida a Belo Horizonte pra lançar o Carne do umbigo com recital lindo no Sesc Palladium, misturando poemas ao vivo com vídeos. Bati um papo ótimo com o João Eugênio, do programa Culturall, da TV Horizonte, sobre o livro e meu trabalho.

29.11.14

7.11.14

Eu e a Gávea


Ontem, no caderno Zona Sul do Globo, eu conto um pouco do que amo no meu bairro, falo dos projetos e convido pro lançamento do livro, 4a feira, dia 12 no Olho da Rua. Espero vocês!

Pra ler a matéria e ver outras fotos lindas clica aqui.

31.10.14

Amor de mãe leoa

Há um tempo encontrei uma carta que meu pai me escreveu quando eu nasci, e vim aqui exibir esse amor tão profundo que eu tenho a sorte de viver em casa. As caixas e gavetas continuam me presenteando: em busca de uma chave mágica que abre o móvel da minha cabeceira, onde com sorte se encontram documentos de que eu preciso muito hoje, achei outra carta, agora da minha mãe. Não tem data mas pelo assunto é do começo dos anos 2000.

Eu era uma menina de uns 22 anos, recém formada, tinha tido um único namorado e estava com medo de estar "meio fria" pro mundo. Hoje tô na beirinha dos 36, prestes a lançar meu terceiro livro, descobrindo que eu sou minha própria editora, que tenho experiência e estrada pra isso, arriscando como nunca, inventando um espetáculo no qual andarei sobre os ares, com um estoque de talas e tiger balm pras quedas que já sei que virão. Fica claro que a mulher que eu sou foi forjada por essa que aí escreve: "energia, aventura, risco e alegria e assim o equilíbrio". Essa é ela. Essa sou eu.

O amor anda comigo de mão dada desde que eu nasci, as cartinhas me acompanham desde lá e pra sempre, e eu só posso agradecer.



9.9.14

A orelha do Marcelino

Carne do umbigo, meu livro novo, sai em novembro pela Editora Oitoemeio. Convidei pra escrever a orelha o super escritor e agitador e meu grande espalhador e amigo Marcelino Freire, mas nunca imaginei o grau de beleza com que ele ia me presentear. O impulso irresistível foi gravar, porque a prosa dele pede voz e eu não sei agradecer melhor do que isso.



Marcelino querido, então estou eu chorando num taxi a caminho de casa, eu de vestido de gala que na verdade é camisola chique presente da mãe, saindo de um baile no Cassino da Urca que não via bailes há 68 anos, eu no taxi de arranjo de cabeça vermelho de carnaval e echarpe espanhola borrando o rímel com tamanha beleza e fundura e fodideza do seu texto. Querido, como te agradecer? O que te dizer? Isso não é uma orelha, isso é um coração que pulsa. Que emoção ler. Estou mais do que tudo feliz de ter te convidado pressa tarefa missão trabalhosa que eu bem sei e portanto nada de desculpas por demora ou que tais, estou feliz mais que tudo por saber que cê me sente assim, e saber com as suas melhores palavras, nessa sua prosa poética premiável premiada derramada pulso aberto coração adentro. Caramba. Como dormir agora, meu deus?! Melhor insônia eu desconheço. Obrigada e meu melhor sorriso, Maria

8.7.14

Mudando de assunto com Leonard Cohen

Eu não gosto de futebol, mas não tenho estrutura emocional pra tragédias ao vivo, especialmente narradas pelo Galvão Bueno. Então depois do quinto gol da Alemanha eu peguei o carro e vim pra casa gravar esse texto do Leonard Cohen que eu terminei de traduzir hoje mais cedo. As ruas cheias de água da chuva forte e rápida, a noite que caiu súbita sobre o Rio. O rádio do carro dizia "a tristeza é senhora", "voa canarinho, voa" e "como vai você, assim como eu?". Na Gávea fogos de artifício estouravam - aqui é reduto de flamenguistas, afinal. Eu vesti alcinhas pretas e nenhuma maquiagem, já que o Leonard já tinha dito: "Não há mais palco. Não há mais ribalta. Você tá no meio das pessoas. Então seja modesto. Diga as palavras, passe a informação, saia de cena. Seja você mesmo. Esteja no seu próprio quarto." Agora na tevê amarelinhos choram dentro e fora do campo, passa Chaves no SBT. Eu vou ali fazer uma sopa. Quem quiser mudar de assunto clica aí embaixo, eu e Mr Cohen em "Como dizer um poema" nessa terça-feira histórica.


30.6.14

Arnaldo: Pessoa


Coisa que acaba. Troço que tem fim. Sujeito. No "Admirada" de hoje: de Arnaldo Antunes, "Pessoa".

19.6.14

Minha Copa muito particular no Ornitorrinco

10 CONSIDERAÇÕES EM TEMPOS DE COPA 

 



1. Eu não gosto de futebol. Das melhores coisas de morar sozinha depois de muitos anos namorando e casada é não ter som de jogo em casa há quase quatro anos. Descobri então que essa é a minha primeira Copa do Mundo solteira no século 21, e que a depender de mim podem correr pernas holandesas, italianas e croatas sem que eu me comova ou mova ou músculo pra ligar a tevê.

Pra ler as outras nove: http://www.ornitorrinco.net.br/2014/06/10-consideracoes-em-tempos-de-copa.html

10.6.14

Poesia na Casa da Táta



Entre pamonhas, cafezinhos e canjas minhas em shows dos amigos, já faz uns bons anos que eu, Álvaro e Táta namoramos a ideia de um recital meu no Da Casa da Táta. O dia finalmente chegou, e pra celebrar a alegria estou preparando dois recitais em um, abrindo com minha versão de alguns dos meus poetas favoritos e fechando com meus poemas, os clássicos e os novíssimos.

Teremos ainda a participação especial e afetiva da querida Cristina Flores, acompanhada por Dimitri Rebello e Eduardo Sande.

E como aconchego pouco é bobagem, a casa oferece uma comidinha deliciosa no fim da noite.

Simbora ser feliz na segunda-feira!

20.4.14

Anônimos




Hoje ano passado acordamos com sinos e fogos de artifício. Pela janela do hotel dava pra ver a multidão, a carroça da qual os fogos saíam, e a banda vestida a caráter, os padres e tudo mais. Domingo de Páscoa em Florença é pra impressionar até os ateus - que dirá eu, que amo rituais. Num trem dias depois, enquanto dormia minha irmã e o mundo passava derretido pela janela, nasceu esse poema.

Talvez porque vendo o mundo a gente vê que se carrega pra onde vai, e que tudo é sempre provisório, principalmente quando as malas são invisíveis.
Só por hoje é o lema dos Alcóolicos Anônimos.

É o meu. Porque a vida é hoje e só por hoje, sempre.

15.4.14

Celebrando a parceria







Quinta, dia 17, eu e Thereza Rocque da Motta convidamos pra Ponte de Versos comemorando os dois anos da nossa parceria com o relançamento do meu primeiro livro.

O substantivo feminino nasceu independente em 2003, logo esgotou a tiragem de mil exemplares e ficou fora do ar por uns bons anos até a Thereza me fazer esse convite de reeditar pela Ibis Libris Editora.

Convidei amigos queridos pra lerem esses que são meus primeiros poemas, e vou fazer pela primeira vez no Rio um recital grande misturando os clássicos e os inéditos. Parece loucura pensar que já tem mais de quinze anos que digo poemas por aí, já fiz recitais assim em Porto Alegre, em Recife, em Portugal, mas não na minha cidade.

É agora. Muito feliz. Espero vocês pro abraço.

9.4.14

Questão de família estreia no GNT






Estreia hoje, às 22h30, no GNT, e eu não podia estar mais feliz. Montagem minha e do Leonardo Gouvea e assistência do João Coimbra Marinho, minha estreia montando ficção com o super Sergio Rezende, com roteiros deles e do Rodrigo Lages, produção de Mariza Leao e Erica Iootty, direção de produção de Thiago Pimentel, repetindo a parceria com os queridos e talentosos Dante Belluti na fotografia, Fabiana Passos Egrejas na direção de arte, Mel Akerman no figurino. Trilha do Miguel Briamonte, finalização de imagem da Afinal Filmes, edição de som e mixagem Gustavo Loureiro e Tomas Alem. Um elenco de dar gosto: Du Moscovis, Malu Galli,Georgiana Góes, Luiza Mariani, BellatrixSerra Carrijo, Pablo Sanábio, Iano Salomão, Pedro Brício e participações especiais de atores pra quem eu faço muito uau como Cristina Flores, Ernani Moraes, Marcia Cabrita, Leticia Colin,Raphael Logam. No episódio 1 quem dá show são os incríveis Isabel Guéron eMárcio Vito. Pra quem é futeboleiro e já sabe que vai perder na 4a à noite aí vão todos os horários - e olha que são muitos!

3.3.14

Um sol

Dez anos sem Tonho no mundo.
Nem um dia sem ele no peito.
É carnaval, eu ando vestida de bananas e hoje o sol se fez carne em purpurina.
O afeto, que é eterno, ilumina a segunda-feira e a vida inteira.
Saudades, meu amigo.



3.2.14

Elisa Lucinda: amor e rumo





Hoje é dia dela, uma outra mãe que a vida me deu, eu que já vim com uma tão maravilhosa de barriga. Foi lá nos meus dezessete que ela me apareceu com suas palavras, sua voz, sua presença forte e feminina, dizendo esse poema no Parque Lage num Dia Internacional da Mulher. Completamente extasiada, fui falar com ela, eu não sabia que se podia dizer poemas assim, que um poema podia ser aquilo. Eu não sabia ali naquele primeiro instante mas a minha vida ia mudar pra sempre com esse encontro.

Ela estava sem livros na hora mas foi lá em casa na semana seguinte me vender um livro, nós duas na portaria do prédio em Laranjeiras, o livro comprido de capa laranja misturando poemas e contos, a dedicatória dela inventando o futuro:
"Maria, seja esse verso acumulado aqui um companheiro seu.
Que você goste e me venda a outros.
Me ligue.
Beijos, Elisa Lucinda"

Eu liguei, em lágrimas, depois de ler um conto chamado "Re-Luzia", dizendo que quando tivesse uma filha ia dar esse nome, ela me agradeceu emocionada. Anos depois fui ver seu espetáculo solo na Casa da Gávea, e um dia na PUC uma amiga anunciou: estou fazendo uma oficina de poesia falada com a Elisa Lucinda. Pirei. Me matriculei na próxima turma, e subindo as escadas do prédio dela no Leblon no primeiro dia de aula ela me diz lá de cima, sorrindo: "Maria, que bom que você chegou!".

Eu cheguei e foi pra sempre. Ganhei ensinamentos de palavras, de tons, aprendi poemas e temperos, usufrui da sua doçura e gargalhada. Virei sua aluna, sua professora assistente, sua amiga, sua filha e mãe também.

Obrigada Elisete, por me dar um sonho e um rumo. Feliz idade nova, saúde sorte e muita alegria pra você que eu tanto amo.

A série Admirada chegando enfim à sua origem.
De Elisa Lucinda: "Aviso da lua que menstrua".

29.1.14

Carta do Pessoa pra Ophelinha

Todas as cartas de amor são ridículas, ele escreveu.
E taí a prova de que as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas - mesmo quando escritas por um poeta como Fernando Pessoa.
Desconcertada de beleza e sorrisos eu fico cada vez que leio.


15.1.14

Admirada em dose dupla

"Prosa patética", da querida Viviane Mosé.




"Chuva", do argentino Juan Guelman, que se foi hoje da Terra.


8.12.13

Dizendo Hilda #3


Hilda Hilst. O que dizer?
Eu que quase só gosto de poesia coloquial, muito conversada, me rendo aos seus poemas cheios de segundas pessoas e palavras raras. Porque a poesia quando é boa assim rasga manuais e derrete conceitos.

Mais um da série Admirada.
Hilda Hilst. "Toma-me".
Eu me entrego.

20.11.13

Fissura



Eu hoje mudo de idade.
Os 34 foram puxados. Doces. Exuberantes. Duros. Itinerantes.
A vida vai indo, puxando tapetes, soltando fogos de artifício, e eu não canso de achar legal viver.

Nem todo dia é dia de poesia.
Hoje sim.
Pra receber os 35 com tudo que vier: "Fissura".

1.11.13

Everton Behenck no Rio hoje!

Hoje na Travessa de Ipanema é lançamento de dez autores gaúchos, entre eles o querido Everton Behenck, poetaço de quem eu sou fã e tive a sorte de virar amiga. Eu devoro o blog dele e hoje umas 20:30 vou lá ler os meus preferidos, coisas fodonas como esse poema que eu gravei ano passado e não cansa de me emocionar.


30.10.13

O passado de "Meu passado me condena"

Quatrocentas e vinte mil pessoas foram ao cinema esse fim-de-semana ver Meu passado me condena. 420.000 pessoas. É gente pra caramba. É uma estréia de arrasar, e aponta que o filme vai ser um sucesso de bilheteria, e a gente, que trabalhou nele, comemora e brinda. Quem olha de fora ou tá chegando agora pode pensar que isso estava escrito nas estrelas, que fazer um filme num cruzeiro de um grande navio com o Fabio Porchat é uma garantia de dinheiro entrando pelas catracas dos cinemas, e que esse devia mesmo ser o plano desde o início. Podia ser, sabe? Viver de cinema é como viver de advocacia ou de medicina: tem o sonho, o desejo de fazer o melhor, tem o cotidiano do trabalho, o dia-a-dia árduo do mundo real, e tem o fato de que é preciso viver do que se faz. Ganhar dinheiro com cinema é como ganhar dinheiro com qualquer outra profissão: necessário e muito desejável.

Só que nesse caso é tudo uma surpresa, e o filme ganhou tanta projeção que às vezes até eu mesma, que estou lá desde o começo, me distraio e me esqueço do quão inusitado é todo esse espaço e essa boa recepção.

Era uma vez uma jovem que termina um namoro, sofre horrores e descobre no meio das lágrimas o blog de uma outra cheio de textos lindos e ácidos sobre o amor e seus desdobramentos. A primeira, Julia Rezende, minha irmã, vira fã de carteirinha da segunda, Tati Bernardi. Muitos anos depois, Julia é diretora de cinema e televisão e prepara o roteiro do seu primeiro longa-metragem, Ponte Aérea, escrito em parceria com Rafael Pitanguy, sobre a história de amor de uma publicitária paulista e um artista plástico carioca. Depois de muitas versões do roteiro, ela tem a ideia de convidar aquela escritora que tanto admira, que fala de amor com emoção e ironia, pra colaborar no roteiro. A parceria não vinga pra esse projeto mas rende outro: juntas, as duas começam a desenvolver um projeto de série de televisão sobre um casal que se conhece e se casa depois de apenas um mês de convivência, vai passar a lua-de-mel numa pousada na serra e lá começa a realmente se conhecer e descobrir os podres do passado um do outro. Apimentando a receita, os donos da pousada são um ex-casal amargo e trambiqueiro que só aumenta as confusões.

Era uma vez uma produtora de cinema querendo abrir suas asas para a televisão, num momento em que uma nova lei foi aprovada determinando que os canais a cabo tem que ter uma parcela de sua programação de conteúdo original produzido no Brasil. Essa produtora é a minha mãe, Mariza Leão, responsável por filmes importantes desde o começo dos anos 80 e por algumas das maiores bilheterias do cinema brasileiro recente. Julia apresentou o projeto pra Mariza e juntas elas o ofereceram ao Multishow. Nascia aí Meu passado me condena, série em treze episódios.

Fabio Porchat e Miá Mello eram comediantes talentosos de que muito pouca gente tinha ouvido falar, Inez Vianna e Marcelo Vale, grandes atores de teatro, completavam o elenco principal, e Julia Gorman e Rafael Sieg eram os ex-namorados que mudavam a cada episódio. Agrana era curta então tudo foi pensado pra ser gravado no sítio da nossa família, onde equipe e elenco ficaram hospedados por cinco semanas enquanto o trabalho acontecia. A equipe era toda de amigos feitos no trabalho, nas outras duas séries que a Julia tinha dirigido para o Multishow. Gente jovem, cheia de gás, muitos começando a assinar trabalhos como chefes de equipe, todos vibrando na mesma sintonia pra fazer um programa bacana, inclusive eu que não estava no sítio e sim no Horto, na ilha de edição, montando tudo.

No meio das gravações foi lançado o Porta dos Fundos. Muito rapidamente Fabio Porchat virou um ícone, um nome, um rosto conhecido e admirado no Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, um produtor argentino procurou a Mariza com uma proposta de fazer um filme num navio de cruzeiro numa viagem do Rio pra Europa. Ele tinha produzido um filme assim na Argentina e o navio estava aberto pra fazer outro. Eles não davam dinheiro, mas ofereciam uma locação improvável e linda e hospedavam equipe e elenco na travessia. Só que ela tinha que desenvolver um projeto que se encaixasse nesse perfil, e um casal em lua-de-mel era perfeito pra um cruzeiro intercontinental. Mariza propôs, o Multishow topou ceder os direitos, Tati começou a trabalhar feito louca no roteiro de um longa, Mariza fechou parceria com Paris Filmes, RioFilmes e Globo Filmes, e conseguiu o dinheiro numa velocidade estonteante. Era o começo de Meu passado me condena - o filme. Quando tudo parecia perfeito perdemos o navio. Eles fecharam com outra produtora, outro projeto, outro filme. Subitamente a gente, que começou tendo só um navio e nada mais, tinha tudo menos um navio.

Começou-se a pensar em opções. Filmar num resort. Num cruzeiro curto, Rio-Búzios, indo e vindo cinco vezes pra dar tempo de fazer todas as cenas. Mas a Mariza é tinhosa e conseguiu um baita navio, o Costa Favolosa, que saía do Rio rumo à Itália em março desse ano. Seis meses depois da ideia do filme ter surgido, lá estávamos nós no porto do Rio embarcando nessa aventura. Alguns novos parceiros na equipe, reforço de Juliana Didone, Alejandro Claveaux e Rafael Queiroga no elenco, além de participações especialíssimas como a da Elke Maravilha.

Foram vinte e um dias no mar, cinco sem ver terra. Paradas em Ilhéus, Maceió, Recife, Tenerife, Funchal, Marseille, Casablanca, tantas cidades. Mais tons de azul do que eu sabia que existiam. As dificuldades de fazer um filme em um cruzeiro de verdade, com três mil passageiros, dois mil tripulantes, contando com a compreensão de todos pra fechar piscinas ou salões pra podermos filmar, e aproveitando o entusiasmo dos passageiros que adoravam fazer figuração. Eu tinha uma cabine-ilha-de-edição, um cantinho escuro onde eu passava os dias montando as cenas filmadas dois dias antes. 

Sabe aquele papo de que navio não balança, afinal é um edifício de treze andares, muito grande, muito sólido? Balela. Balança. Bastante. Ou pelo menos foi o que me pareceu a partir do quarto dia, quando eu comecei a passar bem mal. Chegando no Rio fiz exames e soube que era dengue. Imaginem. Não fui à piscina, não fui às festas na véspera das folgas, não fiz aula de salsa, não bebi no bar vermelho. Mas montei um filme sobre as ondas. E conheci muitas cidades. E fiz amigos.

Chegamos na Itália e lá filmamos mais três dias. Muita gente da equipe nunca tinha ido à Europa e agora estava trabalhando lá. Julia fez aniversário, 27 anos.Voltamos pro Rio e o trabalho continuou: terminar de montar, fazer trilha, editar o som, corrigir a cor, mixar. Nas primeiras sessões do filme para os distribuidores a surpresa: eles acharam que tínhamos ouro nas mãos. Uma comédia romântica, engraçada, emocionante, bem filmada, elenco tinindo, cenários incríveis. E nosso filme nascido no susto começou a ganhar corpo de gente grande, e começou a ser pensado um lançamento poderoso, muito maior do que o previsto anteriormente.

Aí chegamos a hoje. Quatrocentas e vinte mil pessoas em três dias. É o décimo melhor fim-de-semana de abertura de um filme brasileiro desde a Retomada. Faremos um milhão de espectadores até o fim-dessa semana. A gente se espanta, a gente comemora, a gente brinda e agradece. Talento, trabalho duro e sorte são uma combinação explosiva. Esse filme nasceu regido por esse trio. E eu, que já me incomodei muito de trabalhar em família, celebro a estreia na telona da minha irmã, uma diretora tão jovem e tão determinada e segura e afiada, e a alegria de ser parceira dela em todos os seus projetos até hoje.

E enquanto o filme nos dá tanta alegria nos cinemas, estreia hoje a segunda temporada da série: Fabio e Miá depois da lua-de-mel, morando em Santa Tereza e descobrindo os desafios da vida cotidiana. Meu passado me condena. Nos cinemas de todo o Brasil. Na tela da sua tv toda quarta-feira às 23h no Multishow. 

Agora é se preparar pro Ponte Aérea - lembram dele? O primeiro projeto virou o segundo filme e ano que vem ao invés de um navio intercontinental estaremos entre Santos Dumont e Congonhas, Rio-Sampa, filmando a história de amor de Amanda e Bruno. Outro projeto, outro desafio. Não é comédia, não deve bater recordes de bilheteria. É o filme com que a Julia sonha há cinco anos, e eu mal posso esperar pra botar a mão na massa com ela de novo.


Lembranças da primeira temporada da série no sítio:









Lembranças da nossa aventura al mare:

No porto do Rio


Heloísa Rezende, nossa produtora executiva, embarcando


Quarto com varanda é mó legal

Elke e a plaquinha que acompanhava a filmagem pra todo lado

Início das filmagens numa das piscinas

No porto de Salvador

Almoçando acarajé com Mel e Fabi

Fabio, Miá e nossa super figurinista Mel

Tentando melhorar do enjôo que afinal era dengue

#semfiltro

Vendo as primeiras cenas montadas na hora do jantar

Miá, Mel, Ju, Fabi e suas roupas de bichinhos

O famoso bar vermelho, point das noites que minha dor de cabeça não me deixou frequentar
Luz e Bia na folga em Funchal

Tiau Funchal

Ilha de edição sobre as ondas



Filmando no deck do tobogã


Julia pensando o próximo plano

Al mare!

I'm the corno of the world!

Foto de equipe no por-do-sol

Foto de equipe em Savona

Fabio, Ju e Miá no 1o dia de filmagem no Rio

Queiroga, Fabio, Inez e Marcelo na Itália

Mariza e sua tradição de bater claquete em todos os filmes

Os protagonistas e a diretora

Alegria no restaurante

Aproveitando a falsa folga em Casablanca

Azul-oceano-Atlântico devia ser o nome dessa cor

Congelando na Itália

Com mamãe Mariza em Savona
   

Tiau Costa Favolosa com a Ju

Hotel de frente pro mar



Os italianos chamavam ela de "la registra"