Fevereiro foi o mês das sagas femininas na mansão Caravelas.
Tudo começou quando eu ganhei da Regina Zappa, sem ser aniversário nem nada, o catatau Um defeito de cor. Apesar de ser leitora voraz desde pequenininha, nunca gostei muito de livrão, até porque gosto de ler deitada e livro grande é complicado de segurar na cama, cansa os braços rápido, me dá preguiça. Pra piorar, confundi o livro com "Não somos racistas", do Ali Kamel, um livro jornalístico que dizem ser muito interessante, mas fora poesia meu negócio mesmo é romance. O livro ficou esquecido na mesa da sala até que eu olhei pra ele um dia e li embaixo do título: " um romance". Romance. Eu gosto muito. Vou ver qual é a desse calhamaço.
Pronto, fui definitivamente fisgada. A autora, Ana Maria Gonçalves, escreve um prólogo irresistível contando como foi levada a escrever o livro, e não sei se é tudo verdade nem quis saber: parti pro capítulo 1. A narradora, Kehinde, é uma africana que é trazida pro Brasil como escrava no começo do século 19, e conta a sua vida da forma mais saborosa que eu me lembro de ter lido nos últimos muitos anos. Fiquei obcecada pelo livro. Lia em qualquer brechinha do dia, e até o olho doer antes de dormir. Falava dos personagens com os amigos, sonhava com eles. A saga de uma mulher e sua família na África selvagem e no Brasil escravagista, um super romance pra ninguém botar defeito. Nesse nível: a tv da casa quebrou, e pensei: melhor, mais tempo pra ler. Sentiram a obcessão?
Quando o livro acabou fiquei orfã. Um vazio imenso na casa sem televisão. Foram 950 páginas de intimidade. Aquela gente, já tão íntima, guardada dentro da capa dourada. Que diabo de livro vai substituir esse, meu deus? Tinha 10 dias de carnaval numa praia distante pela frente, impossível encarar sem um romance. Procurei nas prateleiras, pedi dicas pros amigos, mas foi só na livraria do aeroporto que achei: Cisnes Selvagens, da Jung Cheng. A saga de três mulheres na China, do começo do século 20 até os anos 80. Outra família, outros tempos, mas uma saga familiar de peso: 650 páginas, e isso em edição de bolso! Era tudo que eu precisava!
O livro é incrível. Incrível no sentido de sensacional e também no de inacreditável, ainda mais pra quem, como eu, não sabia nada sobre a história da China nessa época. Os costumes tradicionais, a ocupação pelos japoneses, a Revolução Comunista e seus primeiros dias de glória, a loucura de Mao e a crueldade do Partido contra seus próprios membros, a destruição de tudo que pode ser chamado de cultura pela Revolução Cultura, e o apagamento de tudo que fazia da China a China: proibidos os jardins, as flores, as casas de chá, as roupas coloridas, os longos cabelos, a música e a dança, a beleza dos templos, o respeito aos mais velhos. Em alta a violência, a destruição, os tribunais de acusação em que todos apontavam os dedos para todos, e a dita igualdade socialista terminando em uma divisão da população em 23 categorias, com rígidas determinações do que era permitido a cada uma. No meio disso, a autora, cujo pai era alto dirigente do partido, passa pelos dias de tranqülidade e pelo horror que toma o país, e conta tudo deliciosamente.
Lá se foi a minha implicância com livros grandes. Agora tô viciadinha: menos de 300 páginas nem me apresente que eu não dou bola...
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