21.9.08

Espelhos: Galeano inédito

Eu sou viciada em palavra. Mais ainda em palavra escrita, e ainda mais um tanto em livro. Dentro do vício tem espaço pra mais alta literatura e a mais reles bobagem: sendo letra no papel, quase tudo me interessa.

Mas tem aquelas palavras que interessam mais. E tem aquela gente que sabe o que faz com as suas, e me pega pela mão e não larga mais. Eduardo Galeano é desses, e quem costuma andar por aqui já sabe disso. A novidade é que depois de já ter lido virtualmente tudo o que ele escreveu, semana passada ganhei da minha mãe em primeiríssima mão, na versão original em espanhol, o livro novo dele, "Espelhos". Achei que era uma coletânea, tão improvável me pareceu essa alegria: Galeano inédito? Será possível?

Pois era. Está sendo. O fim-de-semana chuvoso foi perfeito pra começar essa leitura, e passei a noite de sábado bebendo da fonte profunda dele, me molhando toda nessa água. Dá vontade de traduzir tudo, de postar tudo, de gritar Galeano aos quatro cantos, mas como a voz não dá pra tanto espalho ele aqui, nesse canto, pra vocês.

Escrever sim

"Ganesha é barrigudo, pelo muito que gosta de caramelos, e tem orelhas e tromba de elefante. Mas escreve com mãos de gente.

É o mestre das iniciações, o que ajuda as pessoas a começarem suas obras. Sem ele, nada na Índia teria começo. Na arte da escrita, e em tudo mais, o começo é o mais importante. Qualquer princípio é um grandioso momento da vida, ensina Ganesha, e as primeiras palavras de uma carta ou um livro são tão fundadoras quanto os primeiros ladrilhos de uma casa ou um templo."

17.9.08

sedução

Era cedo. Muito cedo pro meu horário. E estava frio, e era na Barra, que sempre me parece longe, mesmo que agora que eu moro na Gávea nem seja mais. Era cedo e frio e longe, mas quando eu entre naquele auditório cheio de carinhas tão jovens, nada disso era mais problema. Porque naquela hora o problema passou a ser como seduzir aquela platéia, no meio do seu dia normal de aula, pra ficar a fim de me ouvir e se deixar gostar de poesia.

Rapidinho parou de ter problema e foi ficando só gostoso e bom. Meninos e meninas de 11, 12, 13 anos, me ouvindo falar poemas entre tapinhas nas cabeças dos colegas da fila da frente, olhos atentos entre cochichos, e um rumor semi-silencioso quando sem querer uma palavra "sexo" escorregou, como quem não quer nada, de um poema.

E eles me encheram de perguntas ótimas, e me fizeram pensar como e porque eu escrevo, e me ajudaram a refletir sobre a importância da poesia, o motivo dela, a inspiração e o trabalho. Depois da super apresentação no auditório eu ainda fui a três salas de aula de 8o ano (a antiga 7a série, se é que eu entendi bem), e falei mais uns poemas, e bati mais uns papos. Do meio de uma fila veio a pergunta mais inusitada: se eu faço mais alguma coisa além de ser poeta, e eu falei de como é difícil ganhar dinheiro com poesia, de como a Elisa é a única que eu conheço que domina essa arte, e de como pra mim funciona bem ter outro trabalho que eu também gosto e poder ser poeta sem pressão.

Pois não é que quando eu já tô indo embora vem a menina da pergunta, de papel na mão, e me pára, toda tímida, pra me dizer que quer ser poeta quando crescer, e que quer ler um poema dela pra mim, que não é o melhor, ela disse, mas é o que ela tem lá na escola. Sentamos num banco e Luiza leu seu "Névoa", uma poeta tão jovem mas já uma poeta, atenta às imagens, fazendo meta-poesia, começando ainda e já escrevendo sobre a sua escrita. Seu poema me lembrou um dos meus primeiros, e quando eu disse pra ela que também gosto de escrever sobre a escrita ela me disse "eu gosto mais ainda de escrever sobre PORQUE escrevo!". Quer dizer, a menina sabe tudo, e promete.

Então Luiza, pra você, aqui vai um poema exatamente sobre o PORQUE da minha escrita - ou alguns dos porquês... E me manda um seu pra eu postar aqui também, e a gente dialogar poeticamente!


Escrevo porque tô viva
escrevo preciso
pra acordar, pra estar despida
porque o mundo não é só isso
que acontece aqui em cima

Escrevo porque não vivo
escrevo porque preciso dessa droga
esse colírio
escrevo pra pôr delírio
em tudo que é preto-e-branco

Escrevo pra estar viva
Escrevo porque aqui minto
as belezas que não tenho
e as coragens que persigo
escrevo porque assim finjo

Escrevo contra as burrices
contra os medos que hoje sinto
escrevo a favor do sonho
escrevo pra estar livre

Escrevo quando consigo

16.9.08

Entrando no clima

Entrando no clima pré-lançamento, vou voltar à ativa, entrar no clima, botar a cara na rua e sair de novo por aí dizendo meus poemas onde tiver palco e microfone, ou simplesmente onde tiver alguém a fim de ouvir.

Outro dia foi na casa da Ana Luiza, e depois na casa da Cláudia, que estava na primeira platéia e gostou da idéia. Um outro dia foi no estúdio da TV Brasil, e através de lá pro Brasil todo. Amanhã vai ser no CEI, colégio na Barra onde dá aula a minha amiga Noa, pra um auditório lotado de adolescentes. E partir do fim de outubro uma sexta-feira por mês eu e Fernanda Rowlands estaremos no super novo Espaço Telezoom, no Leblon, dizendo poemas uma, cantando a outra, e juntas recebendo convidados da novíssima safra de artistas cariocas!

Me aguardem!

na pressão

Reunião na 7Letras: pra lançar o livro no final de novembro precisamos mandá-lo pra gráfica até 10 de outubro. Ok. Absorvida a informação, resta correr com a capa, e agitar as coisas do cd pra ficar pronto ao mesmo tempo.

É, tem cd. Eu não tinha falado dessa parte? Pois tem cd sim, claro, que eu não sou nem boba de desperdiçar a palavra falada! Tem cd, e cd tem que gravar, e tem capa e bolacha pra conceber, e tem que prensar, e tal e coisa, e coisa e tal.

E viva a pressão que gera ação!

11.9.08

enfim a data

Ok, ando precisando escrever, e parar de só citar. Mas é que às vezes a tela branca realmente não desperta nada, não é gênero dos cronistas não. E depois de tempos bissextos por aqui ando gostando de estar mais presente, mesmo que pelas vozes de quem eu gosto mais do que pela minha mesma.

É que a vida tem muita conta de gás, muita recisão de contrato, muito marcineiro que marca às 8h (e fura), muito pedreiro todo sábado, muito telefonema pra net, e é preciso que a poesia mostre suas unhas, me rasgue a pele das costas de raiva por ficar tanto tempo de lado, sempre a última da fila, a prima pobre, é preciso que ela monte em mim feito cavalo de macumba, pra que eu enfim emerja do submundo do dia-a-dia pra cuidar dela como ela merece.

Pois ela mostrou, rasgou, montou, e eu tô emergindo, devagar pra não ter susto, mas senti a porrada, acusei o golpe e aviso: tô de volta. O livro sai em novembro. Não queria dizer pra não ter cobrança mas, porra, eu preciso ser cobrada. Novembro. Bendita Palavra. Podem cobrar. Cobrem. Obrigada.

9.9.08

só lendo

"Não pára não", ela repete. "Já ouvi essas palavras em algum lugar." Na verdade, ela ouviu poucas vezes a palavra "pára" sem um "não" na frente. Ditas por um homem. Ou mesmo por ela. "Sempre achei que 'não pára' era uma palavra só", diz ela.
"E é mesmo. Dança mais."

(Phillip Roth, em "A marca humana")

7.9.08

inútil e delicioso

"Ser poeta não é uma profissão: é como ser viúvo. Um poeta é um poeta, assim como um cavalo é um cavalo. Cavalos têm utilidade. Mas eu, Gregório de Matos e Guerra, viúvo, poeta, brasileiro, não tenho uma utilidade."

(Ana Miranda em "Boca do Inferno")

6.9.08

lendo

"Observo-me a escrever como nunca me observei a pintar, e descubro o que há de fascinante neste acto: na pintura, vem sempre um momento em que o quadro não suporta nem mais uma pincelada (mau ou bom, ela irá torná0lo pior), ao passo que estas linhas podem prolongar-se infinitamente, alinhando parcelas de uma soma que nunca será começada mas que é, nesse Éalinhamento, já trabalho perfeito, já obra definitiva porque conhecida. É sobretudo a ideia do prolongamento infinito que me fascina. Poderei escrever sempre, até ao fim da vida, ao passo que os quadros, fechados em si mesmos, repelem, são eles próprios isolados na sua pele, autoritários, e, também eles, insolentes."

(José Saramago em "Manual de Pintura e Caligrafia")