27.10.06

o risco, meu deus!

Acabo de reler todo o meu blog, mês a mês, pacientemente, em busca de um poema que não estava aqui. Como não estava?! Não consigo crer que escrevo no mariadapoesia há três anos e não coloquei aqui o poema que abre meu livro novo, o poema que me dá forças pra seguir nos caminhos que parecem difíceis, o poema que me inspira e me surpreende sempre.

Então percebo que Mariana tem razão: tem faltado poesia no mariadapoesia. Rodrigo tem razão: ando muito vida real e pouco poeta. E apesar de incomodar faz um bem danado perceber isso porque agora então vou mudar, olha que ótimo!

Abrindo a mudança, o poema:

O risco não é só um traço
É a distância entre um prédio e outro
A diferença entre o pulo e o salto

O risco é riqueza e asfalto a percorrer
Pode ser a pé
Pode ser voar
O risco é o bambo da corda solta no ar

Dentro dele cabe cálculo
Cabe medo e incerteza
Cabe impulso instinto plano

O risco é a pergunta te atacando ao meio-dia
É o preço do sonho pra virar realidade
É a voz das outras gentes testando a tua vontade

Aceitá-lo é saber que não existe
Estrada certa
Linha reta
Vida fácil pela frente

Mas que asa
Asa
Asa
Só ganha quem planta no escuro do braço
Essa semente de poder voar

22.10.06

Corpo

"O corpo existe e pode ser pego
É suficientemente opaco para que se possa vê-lo
O corpo existe porque foi feito
Por isso tem um buraco no meio
O corpo se cortado espirra um líquido vermelho
O corpo tem alguém como recheio"

Esse é um pedaço de um poema do Arnaldo Antunes, o pedaço que a minha cabeça lembra num fim de domingo de corpo exausto de tanta descoberta, depois de um fim-de-semana intenso de workshop de performance e de teatro físico com a Patrícia Carvalho-Oliveira. Foram dois dias de exercícios e práticas novas pra mim, que vão me ajudar a colocar corpo na minha palavra, a dar corpo pra palavra, além de dar voz. Tô cansada mas feliz, conheci gente bacana e variada, e passei dois dias quase inteiros prestando atenção em mim, cuidando de mim, mexendo comigo.

Isso fecha com chave de ouro uma semana em que eu finalmente voltei a ser a mariadapoesia: revisei e imprimi meu livro novo, o bendita palavra, arrumei e imprimi um "dossiê" sobre mim, e agora vou mandar isso pras editoras, em busca de uma que me queira e me receba, pra ano que vem eu voltar a publicar. Já tô com comichão de tanta vontade!! Me aguardem!

19.10.06

Arte e moda

Eu não costumo divulgar muitos eventos em que não esteja pessoalmente envolvida, porque nunca se sabe se vai ser legal mesmo, e não quero dar furo com quem me lê... Mas nesse caso tô panfletando abertamente porque, mais do que meus amigos, trata-se de gente talentosíssima, que me inspira e estimula.

A Soul Seventy, da Amanda Mujica e do Antônio Bokel, é uma marca de roupas com conceito e personalidade, além de lindas de morrer.





O Ateliê Coletivo é um projeto do mesmo Antônio Bokel com o Smael e o Paulo Gouvêa, três artistas contemporâneos e absolutamente inovadores nas suas pinturas, cada um com a sua cara e o seu caminho, mas juntos na busca por espaço no mundo das artes plásticas.


Pois 5a e 6a, dias 19 e 20, a Soul Seventy vai lançar sua nova coleção no Ateliê Coletivo, uma ocasião imperdível de conhecer o trabalho de quatro criadores que eu tenho certeza de que vão movimentar muito o Rio nos próximos anos.

Eu vou na 6a feira, e vou adorar se vocês quiserem me acompanhar. Nos dois dias começa às 18h e vai até meia-noite, e o Ateliê Coletivo fica na Rua Alexandre Stockler n.18, na Gávea (depois do posto de gasolina, lá em cima).


Eu não perderia esse programa por nada!

16.10.06

competição saudável

Apesar de ter um blog, nunca fui bisbilhoteira da internet pra achar blogs legais. Sou leitora fiel de alguns, escritos por gente amiga que me faz rir e me emociona, e que indico nos links aí à esquerda.

Semana passada ganhei um concorrente de peso, e fico feliz com essa competiçãozinha que está surgindo e que me faz querer escrever sempre, pra não perder meus leitores pra ela. A Mariana é minha prima, advogada e leitora voraz desde a infância. Já naquela época a gente competia pelos livros lidos, e trocava dicas de autores novos legais, e se emprestava coleções e volumes. Passar da leitura pra escrita foi um pulo, eu na poesia, ela na crônica. Claro que eu fui muito mais exibida e arrumei logo um livro publicado e palcos pra me espalhar por aí, e a Mariana sempre discreta, advogada e escritora só nas goras vagas, mandando seus textos por email pros amigos. Finalmente a convenci de que ela precisava de um blog, e surgiu o Croniquetas.

Agora tô eu aqui, escrevendo no blog ao meio-dia de uma segunda-feira, pra manter o interesse de quem me lê e não acabar perdendo todos os meus leitores pra ela! Mas, sobrando um tempinho, passem lá que eu recomendo! =)

13.10.06

Buchecha e Banco Imobiliário

Ontem foi dia das crianças. No momento, enquanto espero paciente o dia em que a barriga vai crescer e uma criancinha vai sair de dentro dela, só tenho uma criança que dependa de mim pra ser feliz nesse dia: Luiz Phillipe.


Ele é filho da Graça, que foi trabalhar lá em casa 6 dias depois que eu nasci, quando a minha mãe percebeu que o projeto hippie de não ter babá não ia dar nada certo. Dois anos depois o Tiago nasceu, e a Graça além de babá virou madrinha dele, prova de que o lado hippie da mamãe não queria morrer de jeito nenhum. Eu já tinha sete anos, praticamente uma mocinha, quando a Julia nasceu, e renovaram-se as razões pra Graça continuar lá em casa.

Hoje eu moro sozinha em outra casa, a Julia já fez 20 anos e a Graça continua lá, firme e forte. No caso dela aquela metáfora "ela já é da família" é totalmente verdadeira: ela é madrinha do Tiago, que por sua vez é padrinho do Luiz Phillipe. Assim como a Conceição, a outra fiel escudeira da nossa família, mora com os meus pais há 28 anos, e o Luiz virou logo o mascote da casa.

Quando a Graça ficou grávida foi aquele choque. Ela era a pessoa menos engravidável que a gente conhecia: tímida até a raiz dos cabelos, nunca tinha tido um namorado (que a gente soubesse). Era tão impensável o fato que ninguém tinha reparado na barriga que crescia até ela contar pra minha mãe, já com quase 5 meses de gestação.

O Luiz Phillipe nasceu e ganhou todo mundo de cara. Hoje ele tem 12 anos, é um menino esperto e divertidíssimo. Pois ontem era dia das crianças e o Luiz estava lá, vendo tv, como todo dia. E o jornal dizia das várias programações infantis do dia, todas dependendo da animação de um adulto pra levar. Ontem o adulto fui eu, e o programa foi o show gratuito do Buchecha e do Latino na Quinta da Boa Vista. Ele ficou animadíssimo, era a primeira vez que ia ver um show de alguém famoso, me disse, só tinha ido nos do Rodrigo.

Quatro da tarde, saltamos eu e Luiz de um taxi nos arredores da Quinta da Boa Vista, e nos misturamos ao mar de gente que andava entre camelôs com brinquedinhos que piscam e vendedores de churrasquinho, pipoca, hot dog e milho verde. Adentramos a Quinta e era criança feliz pra todo lado, criança chorando arrastada pela mãe aqui e ali, e uma chorando sem a mãe, que apareceu um minuto depois e as lágrimas voltaram pra dentro automaticamente, que nem cachoeira invertida.

Andamos, andamos, andamos, até achar o palco onde Buchecha já cantava. O mar de gente de antes virou nada diante da multidão que se apinhava ali, pacificamente, alegremente, pra ouvir o cara cantar. O Luiz estava fascinado e meio que paralisado: era muita gente, e mal dava pra ver o palco, que dirá o Buchecha. Show de gente famosa é assim, expliquei, fica lotado e a gente fica longe mesmo... Um binóculo foi a solução, e aí ele adorou. Eu era o peixe mais fora d'água do mundo, com a minha cara de garota de Ipanema no coração de São Cristóvão, mas nem liguei e desencavei do fundo da memória meu repertório de funk melody e dancei animadíssima.

Teve
"nossa história vai virar cinema, e a gente vai passar em Hollywood", teve "quero te encontrar, quero te amar, você pra mim é tudo, minha terra meu céu meu ar", teve "eu não existo longe de você, e a solidão é o meu pior castigo, eu conto as horas pra poder te ver, mas o relógio tá de mal comigo", teve um monte de outras que eu não me lembro mas que são ótimas, e o pessoal cantava tudo e dançava amarradão, e eu fiquei feliz de participar da felicidade popular e estar ali, eu e Luiz, tendo um dia das crianças diferente e animado.

Quando o Buchecha acabou e começaram a arrumar o palco pro Latino, Luiz quis ir embora, e apesar da minha curiosidade pra ouvir “hoje é festa lá no meu apê” ao vivo, concordei e adorei, que as pernas já estavam reclamando. Pegamos outro táxi pro Humaitá, nos enchemos de milkshake, cheeseburguer e batatas fritas, e depois que eu recuperei um pouco as forças fui levar ele em casa.

Chegando lá mais felicidade: a Julia comprou de presente pra ele um Banco Imobiliário, jogo da nossa infância que virou luxo hoje em dia: custa R$65,00, pode? Em tempos de crianças cada vez mais solitárias, não é de se espantar que elas queiram cada vez mais videogames, e que os pais apóiem: é mais barato, e eles brincam sozinhos, sem encher o saco de ninguém...

Mas ontem foi diferente! Abrimos o Banco Imobiliário e os olhos de todo mundo brilharam. Eu, Tiago e Julia de novo crianças, doidos pra jogar! Mas somos todos adultos agora, e Julia ia pra casa do namorado, Tiago ia sair com os amigos, e eu, exausta, propus pro Luiz uma partidinha rápida, só pra ele começar a aprender...

Em cinco minutos estávamos todos reunidos em volta da mesa, Tiago de consultor imobiliário do Luiz, Julia de banco, todos gritando pra comemorar compras de terrenos valiosos ou pra protestar contra dados generosos demais com o outro, rindo juntos como há tempos não acontecia, uma noite fenomenal em família.

Vim pra casa dormir alegre e plena, feliz da decisão de fazer um dia das crianças bacana pra esse menino que eu adoro, e de ter tido eu um dia especial assim.

1.10.06

uma tragédia e um nome

Cresci vendo minha mãe lutar pra superar um medo de avião que nasceu junto comigo, sua primeira filha. Muita gente passa por isso: começa a ter medo de morrer quando tem filhos.

Talvez por ainda não ser mãe, nunca tive medo de voar, apesar do momento da decolagem ser uma das raras ocasiões em que eu tiro da gaveta as rezas que aprendi quando criança. Mas lembro sempre do meu tio Chedid querido, piloto de avião durante anos e que morreu numa estrada a caminho de Minas, comprovando a tese de que é muito mais provável morrer num acidente de carro do que num acidente aéreo. Tanto, que costumo considerar essa possibilidade como nula, e tenho a mais absoluta certeza de que isso nunca, nunca vai acontecer, nem comigo nem com ninguém.

Uma tragédia como essa de ontem com o avião da Gol destrói essa certeza fantasiosa e confortável. Assim como acontece com os carros, os aviões também têm problemas técnicos, e seus "motoristas" podem tomar decisões equivocadas. Hoje essa tragédia dominou as conversas, e minha mãe me disse chocada durante o almoço que minha irmã entrou na lista dos passageiros e levou um susto ao ver meu nome lá: Rezende, Maria.

Não resisti e entrei agora no Globo.com e lá está ele, o nome que é meu, mas felizmente não é o MEU nome, mas o nome de outra Maria Rezende que provavelmente não resistiu à queda. E é tão chocante, tão surreal ler um nome que é o seu numa lista de mortos numa queda de avião, tão insano o avião cair, tão inacreditável tanta gente morrer assim, sem nem saber, e alguém como meu nome estava lá.

Gente de quem eu mal me lembro sabe o meu nome, e me apresenta aos amigos: "essa é a Maria Rezende, aquela poeta que eu te falei". Meu nome está na capa do meu livro, no contrato de aluguel do meu apartamento, nas contas que chegam aqui em casa, no cartaz do curta que fiz com o Rodrigo e nas dezenas de filipetas que a Marianna Cersósimo criou pro Te vejo na Laura. Está como remetente de todas as minhas mensagens de e-mail, gravado no celular de um monte de gente pelo Rio de Janeiro afora, e nos créditos finais de todos os vídeos e filmes que eu já editei.

E o Google já tinha me dito que esse nome não é só meu, há muitas e muitas Marias Rezendes pelo Brasil afora, mas só uma delas entrou ontem num avião em Manaus (onde eu, essa Maria Rezende daqui, peguei um vôo da mesma Gol com escala em Brasília e cheguei em casa - hoje casa dos meus pais - e encontrei minha família e meu namorado amado, cheia de presentinhos indígenas e um tênis bacana pra compensar o dia dos namorados passado separado porque eu estava lá, trabalhando, em Manaus, e dormimos juntos, abraçados na cama de solteiro apertada, e eu fui feliz mas não tinha idéia de quanto) e só uma das muitas Marias Rezendes brasileiras ontem não chegou em casa.

Ler meu nome ali é um alívio e é cruel, me joga de pára-quedas na dor de gente que eu não conheço, e ao mesmo tempo me finca os pés aqui, no meu universo, onde Maria Rezende sou eu, essa, poeta, montadora, namorada do Rodrigo, filha da Mariza e do Sergio, irmã da Julia e do Tiago, neta da Nilza, da Elza, do Lauro e do Valério, bisneta da vó Nair, amiga de infância da Camila, da Fê, tia emprestada da filha da Sol que vai nascer, futura mãe da Luzia e de um menino ainda sem nome, que o pai vai escolher. É bom demais ser eu aqui.