25.2.13

De amor, despedida e reencontro

"Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver.

23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva à sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse, e foi assim."

De amor, arte, entrega, despedidas, reencontros, beleza e silêncios preenchidos de sentidos.

16.2.13

E se o dinheiro não existisse?

Faz muito muito sentido depois de ter pago uma bela grana prum cara me levar pra sentir por dez minutos o que é voar pelos ares com só uma asa de tecido e alumínio entre a gente e o chão. A primeira coisa que eu pensei, quando consegui deixar de ser só emoção e pensar em alguma coisa, foi: imagina passar o dia todo fazendo isso? Eis aí um belo jeito de viver. Talvez os pais dele quisessem que ele fosse advogado ou médico, que tivesse um "bom emprego", mas não. Homem voador, ele escolheu. E não vai ter casa em Angra nem lancha mas estava de tênis da Osklen que eu vi e sorri na hora. Tô aqui pensando o que eu faria se o dinheiro não existisse, e em que medida eu já faço. Eu seria só poeta? Vivo me dizendo que não gostaria, mas as razões têm todas a ver com o dinheiro, claro. E você, faria o que?



 








Pra quem quiser virar pássaro um pouquinho e experimentar a vida do Paulão: www.flytourbrazil.com

14.2.13

Dos medos

A gravação tem mais de oito meses.
Foi numa casa que não é mais minha, e eu nem imaginava ali que isso podia vir a ser, então nem medo tinha, eu que sou a rainha dele.
É a palavra que mais tem no meu segundo livro, sabe?
Medo.
E parece que a vida toda é uma tentativa de vencê-lo, embora seja sempre mais fácil fingir que ele simplesmente não tá ali, e eu às vezes sou bem boa dessa categoria de fingimento.
Esse é mais um dos poemas da Adélia aprendido ensinando, um poema poderoso, curativo, que mora no meu coração e no cantinho da minha cabeça sem nunca gastar.
"O poder que eu quisera é dominar meu medo."
Muitão.
Admirada #18: Adélia Prado, "Choro à capela"





Engraçado ter achado esse vídeo prontinho bem quando acabei de descobrir e me maravilhar com o vídeo "The scared is scared", que postei semana passada e não me canso de compartilhar e recomendar. E já que o assunto é esse, resgatei esses dias anotações antigas de trechos que amo do "Grande Sertão: Veredas", romance do Guimarães Rosa que eu não me canso de reler. Esses são só os pedacinhos que falam de medo - e daí se vê que além de sentir e escrever sobre, a pessoa também gosta de ler sobre. Deleitem-se.





"tive medo, sabe? tudo foi isso: tive medo. não pensei nada. eu tinha o medo imediato. e tanta claridade do dia."

"e, enquanto houver no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam - o contagioso. mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. o maior direito que é meu - o que quero e sobrequero - é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim!"

"alguém estiver com medo, por exemplo, próximo, o medo dele quer logo passar para o senhor; mas se o senhor firme aguentar de não temer, de jeito nenhum, a coragem sua redobra e tresdobra, que até espanta."

"ah, para não se ter medo é que se vai à raiva."

"eu fosse ter cautela, pegava medo, mesmo só no começar. coragem é matéria doutras praxes."

"tinha medo não. tinha era cansaço de esperança."

"acho que eu não tinha conciso medo dos perigos: o que eu descosturava era medo de errar - de ir cair na boca dos perigos por minha culpa. hoje, sei: medo meditado, foi isto. medo de errar. sempre tive. medo de errar é que é a minha paciência."

"aqui digo: que se teme por amor, mas que, por amor também, é que a coragem se faz."







12.2.13

Eu tomo alegria!



Conheci esse poema na voz e interpretação poderosas do Carlos Maltz, músico que foi do Engenheiros do Havaí e que anos depois foi aluno junto comigo na Escola Lucinda de Poesia Viva.
Nunca mais esqueci o sotaque gaúcho dele dizendo os versos do Bandeira, nesse poema tão irônico e delicioso falando de carnaval e de Brasil.
Chegando em casa de madrugada de máscara e purpurina não deu pra resistir à tentação de dar a minha voz pra ele.
Admirada #17: Não sei dançar, de Manuel Bandeira.
Acugelê banzai!

10.2.13

O medo tem medo

Bianca Giaver, uma radialista e cineasta americana, pergunta prum menino de seis anos sobre o que ela deve fazer um filme, e a conversa deles é um filme surpreendente e inspirador, das coisas mais lindas que vi esses tempos.

the Scared is scared from Bianca Giaever on Vimeo.

8.2.13

Admirada #16


Tony Hoagland. Poeta. Americano. Favorito recente.
Traduzi uns tantos poemas dele  há uns dois anos atrás.
Esse, esse, esse, esse que já virou vídeo aqui e esse que virou gravação ontem à noite.
Admirada #16:
"O trabalho mais solitário do mundo"
"The loneliest job in the world"
Ui.

4.2.13

Três caquinhos de Henry Miller

"A vida real começa quando estamos sozinhos, face a face com o nosso eu desconhecido. O que acontece quando nos encontramos é determinado por nossos solilóquios interiores. Os acontecimentos cruciais e realmente essenciais que marcam o nosso caminho são fruto do silêncio e da solidão. Atribuímos muito a encontros casuais, nos referimos a eles como momentos decisivos em nossa vida, mas estes encontros jamais poderiam ter ocorrido se não nos tivéssemos preparados para eles. Se possuíssemos mais conhecimento das coisas, estes encontros fortuitos renderiam ainda maiores recompensas. É somente em certas ocasiões imprevisíveis que nos encontramos plenamente sintonizados, plenamente atentos e em posição de receber os favores da fortuna." (página 29)


"Hoje parecemos movidos quase exclusivamente pelo medo. Tememos até aquilo que é bom, que é saudável, que é alegre. E o que é um herói? Em princípio, alguém que conquistou seus medos. É possível ser um herói em qualquer domínio; nunca deixamos de o reconhecer quando ele aparece. Sua virtude singular é que ele se unificou com a vida, se unificou consigo mesmo. Tendo deixado de duvidar e questionar, ele acelera o fluxo e o ritmo da vida. O covarde, par contre, procura obstruí-los. Não obstrui nada, é claro, a não ser a si mesmo. A vida continua, quer atuemos como covardes ou heróis. A vida não tem outra disciplina a impor, se apenas percebêssemos isso, em vez de aceitar a vida sem questionar. Tudo aquilo a que fechamos nossos olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, serve para nos derrotar no final. O que parece desagradável, doloroso, maligno, pode se tornar fonte de beleza, alegria e força, se encarado com uma mente aberta. Cada momento é uma mina de ouro para aquele que tem a visão de reconhecer isso. A vida é agora, cada momento, não importa que o mundo esteja cheio de morte. A morte só triunfa a serviço da vida." (página 77)


"Todo engenho, todo trabalho penoso gasto nas invenções, que são encaradas como maravilhas que operam milagres, deve ser considerado não só como mero desperdício, mas também como um esforço do homem para impedir e evadir o miraculoso. Entulhamos a terra com nossas invenções, nunca sonhando que possivelmente sejam desnecessárias - ou desvantajosas. Criamos espantosos meios de comunicação, mas chegamos a nos comunicar uns com os outros? Movimentamos nossos corpos de um lado para o outro em velocidades incríveis, mas será que chegamos realmente a deixar o lugar de onde partimos? Mentalmente, moralmente, estamos encalhados. O que realizamos ceifando cadeias de montanhas, domando a energia de rios poderosos ou deslocando populações inteiras como peças de xadrez, se nós mesmos continuamos as mesmas criaturas inquietas, infelizes e frustradas que éramos antes? Chamar tal atividade de progresso é extrema ilusão. Podemos obter sucesso em alterar a face da Terra até que ela pareça irreconhecível ao próprio Criador, mas se não formos afetados, qual o sentido disso?

Atos que possuem sentido não exigem nenhuma agitação. Quando as coisas estão se esfacelando, o ato mais intencional talvez seja sentar-se e ficar quieto. o indivíduo que consegue perceber e expressar a verdade que existe dentro de si pode ser considerado aquele que realizou um ato mais potente do que a destruição de um império. Nem sempre é necessário, além do mais, proferir a verdade. Embora o mundo se faça em pedaços e se dissolva, a verdade subsiste.

No princípio era o Verbo. O homem o encenou. Ele é o ato, não o ator." (páginas 99-100)

Henry Miller em "O mundo do sexo"

Curativa




 Sanar (Jorge Drexler)

Las lágrimas van al cielo
Y vuelven a tus ojos desde el mar
El tiempo se va, se va y no vuelve
Y tu corazón va a sanar
Va a sanar
Va a sanar

La tierra parece estar quieta
Y el sol parece girar,
Y aunque parezca mentira
Tu corazón va a sanar
Va a sanar
Va a sanar
Y va a volver a quebrarse
Mientras le toque pulsar

Y nadie sabe por qué un día el amor nace
Ni sabe nadie por qué muere el amor un día
Es que nadie nace sabiendo, nace sabiendo
Que morir, también es ley de vida

Así como cuando enfríe
Van a volver a pasar
Los pájaros, en bandadas,
Tu corazón va a sanar
Va a sanar
Va a sanar

Y volverás a esperanzarte
Y luego a desesperar
Y cuando menos lo esperes
Tu corazón va a sanar
Va a sanar
Va a sanar
Y va a volver a quebrarse
Mientras le toque pulsar


O Drexler anda comigo desde que eu conheci a música dele. A primeira vez que ouvi esse nome foi no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, num Te vejo na Laura em que o convidado especial era o Paulinho Moska. Na coxia, esperando a vez de entrar no palco, ele falou que tinha conhecido um uruguaio impressionante, e disse "guardem esse nome: Jorge Drexler". Ninguém no Brasil tinha a menor ideia de quem era o cara, e foi só em Buenos Aires que achei o cd e dvd Eco, que ele tinha acabado de lançar, um disco sensacional, solar, letras incríveis e melodias fodas, que foi a trilha sonora de tempos alegres na minha casinha de Botafogo. 

Anos depois ele lançou o Doze segundos de obscuridad e calhou da minha vida ter se mexido e estar combinando certinho com o clima pesado e triste do disco. Fiquei um tempão sem coragem de ouvir o cara, medo de lembrar da alegria das músicas de um e de cutucar o coração com vara curta com as músicas fundas do outro.

O tempo passou, a vida andou pra muitos lados e resgatei o prazer de ouvir o Drexler de novo. Essa música anda comigo pelos últimos dois meses e tem tudo a ver com o texto da Eliane Brum ali embaixo. É doce na sua dureza, tudo que um coração dolorido pode querer pra tentar se curar.

3.2.13

A verdade sobre nossos cacos

"O que eu poderia dizer a você, Catarina? A verdade? A verdade você já sabia, você tinha acabado de descobrir. As pessoas quebram. Até as meninas quebram. E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida. E dão nomes mais palatáveis para a inveja e para o ódio que os queima. Mas à noite, Catarina, à noite, eles sabem.

Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes. E isso é mais difícil do que aprender a andar e a falar. Isso é mais difícil do que qualquer uma das grandes aventuras contadas em livros e filmes. Isso é mais difícil do que qualquer outra coisa que você fará."


Eliane Brum é das escritoras que eu mais gosto de ler esses tempos. Devorei seu poderoso romance "Uma, duas" num fim-de-semana, porque apesar da dureza e da angústia em cada página a prosa dela flui e leva a gente pela mão, de uma vez. Pra nossa sorte, toda segunda-feira ela escreve no blog da Revista Época, e faz uma mistura de entrevistas incríveis, reflexões intrigantes, sempre com um olhar surpreendente e inusitado. O texto dessa semana, "A menina quebrada", é uma porrada doce e poética sobre como a gente quebra e fica marcada e como a vida é justamente o aprendizado de lidar com os cacos e as cicatrizes. Lindo e emocionante.

Aqui ó.