25.7.17

Dia do escritor?

Hoje é dia do escritor. Foi. Tá quase indo. Não sei na casa de vocês mas aqui na minha parece que é dia de todas as coisas quase todo dia. Dia do escritor. Dia do poeta. Dia da poesia. Acho que é bimestral. Recebo parabéns, fico feliz, agradeço, mas sei lá. Acho que não vim com o chip desse negódi dia de.

Escritor é quem escreve, né? Quem escreve livro, quem escreve na internet. Quem escreve romance, conto, prosa, poesia. Ou quem escreve poesia é poeta e é outra prateleira? Eu não me digo escritora. Não sei se por humildade ou orgulho. Me digo poeta. Demorei pra ter coragem de dizer. Ouvi numa entrevista que dei há quase uma década que a primeira vez que botei essa banca foi na carteirinha da aula de capoeira. Profissão: poeta. Me ouvi e tava lá tanta coisa sobre a minha história. A maior parte eu já sabia, porque vivo repetindo por aí. Mas umas coisas eu reaprendi. Como essa de ter sido poeta capoeirista por uns tempos. Ralei o topo do dedão do pé no cimento chapiscado do chão da Lagoa umas vezes até desistir de auês e ficar sendo poeta sem berimbau mesmo.

Hoje é dia do escritor e penso que ando lendo pouco. Que ando lendo pouca literatura. Que ando vagando demais por essas páginas sem peso da grande rede de computadores. É dia do escritor e escritor vive de silêncio. Come silêncio pra digerir silêncio e escrever algum som. Tenho andado pouco em silêncio e muito pouco sozinha, apesar da casa vazia toda minha, apesar de estar tanto aqui sem outros corpos. Tem sempre muitas vozes. Muitas letras. Muito assunto. O mundo que desaba. Minha cidade cruel. Golpe sobre golpe no meu país. As vidas das mulheres que valem tão pouco. As escolhas que não podemos ter. As que podemos. A atriz que se separou e teve um filho sozinha. A outra que encontrou no Malaui a filha que nem sabia que tinha. A que pariu o quarto filho aos 48. A escritora que encontrou o amor depois de comer e rezar, que venceu o medo do compromisso pra casar e descobrir anos depois que o amor tava no seu quintal desde sempre, mas agora à beira da morte. Ando lendo demais. Mas pouco em silêncio.

É dia do escritor e sigo escrevendo pouco, como sempre. A pasta "O livro novo" tem trinta e nove arquivos, sendo vários rascunhos e refações. Dezenove poemas. Quase três anos. Se até novembro eu escrever mais dois que prestem alcanço a incrível cifra de sete bons poemas por ano. Acho luxo. Acho lindo. Tô topando e agradecendo. Escrevo pouco como sempre mas ando no palco como nunca, e aqui em casa isso também é ser poeta. Ser escritora já não caberia esse adendo, penso. Mas nem sei nada dessa lida de ter hora pra escrever, de encher páginas e páginas pautadas ou atravessar imensos arquivos digitais.

Quando esse blog nasceu escrever era bem mais cotidiano. Sentar aqui. Pensar alto no tectectec dos dedos. Aqui nasceu uma amizade que gerou milhares de palavras escritas, meu peito aberto diante da tela daquele jeito mais raro. Era escrever e me saber lida. Era troca certeira. Veio o feicibuqui e engoliu o blog. Veio a vida e demitiu o moço dos correios. E agora, fim da segunda década do século, vim eu e disse: ó nóis aqui traveiz! Oi blog. Oi escrita silenciosa da noite.

É dia do escritor e venho ofertar o caminho percorrido por um dos dos dezenove poemas da pasta "O livro novo". É dia do escritor e eu vou ali ler.











20.7.17

Admiradíssima

Acabo descobrir que foi há cinco anos, nesse mesmo dia, que eu inventei, meio sem querer, a série "Admirada": eu dizendo os poemas que amo lá no meu canal do Youtube. Se tu for lá agora tem 115 vídeos. Cento e quinze vezes em que algo eu li me abriu tanto a boca de espanto que as palavras saíram e eu liguei a câmera e pá. Poetas novos e seus primeiros livros. Poetas ainda inéditos no papel. Os grandes, os já consagrados. Admiração pra todo lado.

Tem Drummond e tem Allan Jonnes. Tem Adélia e LuNa Vitrolira. Elisa Lucinda e Viviane Mosé e Manoel de Barros e Samuel Luis Borges. Tem Vitor Paiva, Pedro Cezar, Bobby Baq, Ana Blue, Angélica Freitas, Ana Martins Marques, Marcela Melo, Pedro Bomba, Beatriz Provasi, Renata Corrêa, Elizeu Braga, Mel Duarte, André Oviedo, João Bernardo, Lucas Vasconcellos, Alessandra Colasanti, Ricardo Domeneck, Rafael Iotti, Matilde Campilho, Paulo Scott. E Vinicius, Hilda, Rupi, Wislawa, Warsan, Pessoa, Drexler, Arnaldo. Até Osvaldo Montenegro tem lá.

Hoje, que eu trato a poesia como trabalho, olho pra minha vida e vejo um caminho coerente e absolutamente instintivo. Poesia. Eu vivo disso. Mesmo quando ao invés de receber pelo trabalho, pago. Mesmo quando não me dá nenhum trabalho, mesmo quando é só ligar a câmera e pá. É trabalho e é missão e é encanto e alimento.

E claro que a estréia da ideia tinha que ser com esse poemaço do Everton Behenck, o muso dessa playlist ao lado de dona Aline Bei. Não conhecem? Mergulhem lá na "Admirada" e admirem-se também.

O Risco no Sesc

Dizer poemas na sede do Sesc Rio em plena manhã de chuva, assim sem microfone nem nada... O risco, os riscos...

Evento interno de apresentação do 16° Festival de Inverno Sesc, julho/2017.



De Maria Rezende, Risco.

17.7.17

A imensa revolução do amor próprio

Faz um ano que eu e Ana Alexandrino fizemos o ensaio de fotos que é o cenário do espetáculo Carne do Umbigo. Faz um ano que eu tomei um sacode ao me ver nua pela lente incrível da Cana e li o textão da Jen e escrevi o meu.

Ontem eu tive uma reunião com amigas prum projeto novo no qual tô a fim de botar pra jogo os ângulos ainda inéditos dessa sessão. Um ano em que eu me propus a me amar como eu sou. Um ano dessa imensa revolução.

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Senta que lá vem #textão.

Então hoje foi o dia em que a Jennifer Aniston, musa da minha geração, escreveu um textão dando um basta na pressão infinita de magreza como sinônimo de beleza que ela sofre há décadas. Ela é uma mulher de 47 anos, está casada e não tem filhos, e não pode ter um arremedo de barriga numa foto sem que anunciem em capas de revista que ela está grávida - ficando claro que se ela não estiver, e vier a público desmentir (porque afinal não dá pra fingir que tá grávida, né?), aí fica bem claro para todo o mundo que ela está é "gorda" mesmo.


Toda mulher sabe o que é essa pressão, mas nenhuma de nós a sofre tão publicamente quanto as mulheres famosas, especialmente as que ficam famosas por sua beleza. Semana passada eu tirei fotos sem roupa com a incrível Ana Alexandrino, recortes expressionistas de closões do corpo pra servirem de cenário pro meu espetaclinho. Quando acabamos a tarefa falei "Cana, já tô aqui pelada, bora fazer uns nudes preu guardar na pasta: Maria aos 37". Fotografamos, rimos um bocado, ela me disse: te mando as fotos e posso mexer no que você quiser, mas acho que tá tudo lindo. E eu disse: eu não quero mexer em nada, quero aproveitar pra ver como eu sou de verdade e aprender a me achar bonita assim, mas vamos ver se meu ego deixa… Mais tarde no mesmo dia ela me mandou uma das fotos dizendo "olha que linda você" e eu olhei e só via minha barriga, minha barriga imensa, minha barriga semi grávida.

Aí hoje eu vi a barriga da Jennifer Aniston na nojenta capa de revista, e pra meu espanto dei um suspiro egoísta: caraca, a barriga dela é que nem a minha! Pra em seguida me sentir péssima por encontrar alguma espécie de alívio numa situação tão escrota vivida por uma outra mulher. Pra em seguida me dar conta de que eu estava, ainda mais uma vez, me comparando a outra mulher, em busca de afirmação. Pra em seguida ler a carta dela e aplaudir de pé, e entender ainda mais uma vez que a gente tá imersa demais nessa cultura pra conseguir se safar dela racionalmente, e pensar que precisamos desesperadamente mudar esse padrão que só impõe sofrimento a todas as mulheres do mundo.

Pior ainda: que faz sofrer as meninas. Ontem jantei com uma amiga e sua filha linda de onze anos que me disse "tia Maria, as vloggers do Youtube, elas já acordam lindas! Sem UMA olheira!". Aos onze anos eu fui pra Disney e exigi: na volta iria ao médico de regime porque ia engordar muito de tanto comer cachorro quente. Essa aí de maiô e canga sou eu aos onze anos na Disney, sem coragem de usar biquíni. Na volta da viagem eu passei meses comendo sopa e carne e perdi bochechas e bunda, que afinal era tudo que eu tinha pra perder.

Aquela ali de calcinha, sutiã e aparelho nos dentes sou eu aos dezesseis no camarim da peça do colégio, na época em que frequentava o Vigilantes do Peso e vivia pesando ítem por ítem do prato: pesa o arroz na balancinha, agora pesa o feijão, agora a carne, agora come tudo frio mesmo e tá bom demais. Aquela ali abraçando a Marieta Severo sou eu aos dezessete, e olha a tal da barriguinha já ali, sempre ali comigo. Aquela encostada na parede, de vestidinho e saltão, sou eu aos trinta e sete, e minha amiga barriga continua comigo. Aquele closão de barriga de grávida ali embaixo sou eu também, sábado passado. Só que como a atriz famosa me ajudou hoje a conseguir dizer: eu não tô grávida não, tô é de saco cheio de não conseguir achar bonita a mulher que eu sou. Trinta e sete anos, Maria, se liga: essa barriga é a tua barriga, mana, para de brigar com ela que cês duas vão ser bem mais felizes. O melhor jeito da minha filha - caso ela venha um dia - não se detestar aos onze anos, é ter uma mãe que se curta com todas as suas partes. Obrigada Jen pelo sacode no mundão e aqui dentro também.


Essa aí de maiô e canga sou eu aos onze anos na Disney, sem coragem de usar biquíni. 
Essa aí de calcinha, sutiã e aparelho nos dentes sou eu aos dezesseis no camarim da peça do colégio, na época em que frequentava o Vigilantes do Peso.


Aquela ali abraçando a Marieta Severo sou eu aos dezessete, e olha a tal da barriguinha já ali, sempre ali comigo.

Essa encostada na parede, de vestidinho e saltão, sou eu aos trinta e sete, e minha amiga barriga continua comigo. 




Esse closão de barriga de grávida aqui em cima sou eu também, sábado passado. Só que como a atriz famosa me ajudou hoje a conseguir dizer: eu não tô grávida não, tô é de saco cheio de não conseguir achar bonita a mulher que eu sou. 


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Original da carta:
http://www.huffingtonpost.com/…/for-the-record_us_57855586e…

Em português:
http://www.brasilpost.com.br/…/para-que-fique-claro_b_10960…

EDIT:
Acrescentando link pro live que a Luana Piovani fez hoje, bem luanapiovanescamente mandando uma real que eu assinei embaixo:
https://www.facebook.com/luanapiovanioficial/videos/753016071468286/?pnref=story

EDIT #2:
Meu amigo François Wolf lembrou que Tarantino lacrou o assunto barriguinha com essa cena antológica do Pulp Fiction, que não só faz uma ode a ela como nos relembra que dane-se o que os outros vão gostar, e termina: é uma pena que o que é prazeroso pro toque tão poucas vezes seja prazeroso pro olho. Gracias François e muchas gracias Tarantino!
https://youtu.be/E2TAmGmsw-o