29.10.11

Ornitorrinco #16


OLHA-LÁ


Que alegria é a melhor herança que deixarei pros meus filhos.
Que terei filhos.
Que picar legumes em pedaços bem pequenos ouvindo música equivale a meio lexotan.
Que banho de banheira não é luxo, é saúde.
Que meu desejo é meu e eu posso escolher (e frequentemente escolho) devotá-lo a uma só pessoa, mas não o darei de presente com laço de fita.
Que eu não quero também receber o desejo de ninguém em embrulho prateado ou caixa enfeitada.
Que sendo assim não há "traição" se um dia, por acaso, alguém jogar o desejo em outro alguém que não aquele, o preferido, o escolhido.
Que é absolutamente libertador que seja assim.
Que biscoito de polvilho com doce de leite é uma combinação dos deuses.
Que a melhor utilidade da secretária eletrônica, em tempos de celular e e-mail, é guardar eternamente a voz das gentes queridas pra gente ouvir quando dá saudade.
Que o amor da minha família, paimãeirmãosavós, é uma rede de proteção com superpoderes.
Que mesmo assim às vezes tem sofrimento - a vida tem partes.
Que talco antes de dormir é o primeiro passo pra uma noite suave.
Que comida antes de dormir é a senha pros piores pesadelos.
Que a verdade do que se sente é fugidia e pode levar um mês pedindo todo dia pra gente conseguir força pra enxergar.
Que tudo que é demais pesa, até o amor, e que dói descobrir isso.
Que o amor é bom até quando pesa, e que alivia descobrir isso.
Que nada, nem dor nem alívio nem medo nem nenhuma parte, me desanimam dele - o amor.
Que eu adoro ser quem sou, e agradeço à vida todo dia por esse presente.


|Maria Rezende

***leia tudinho aqui ó

9.10.11

Ornitorrinco #15


OLHA-LÁ


MUZGA


Em casa quase nunca. Quando, quase sempre cd, as caixinhas de plástico com os dentes do miolo já um pouco quebrados, o círculo reluzente impresso em cores e o som ex-moderno comprado pelo pai no freeshop cujo controle remoto minúsculo e lindo nunca funcionou. Às vezes laptop: músicas desconhecidas saídas do HD externo recheado pelo amigo querido que ouve de tudo, a rádio online que toca a música do seu estado de espírito, o som dos amigos no myspace.

No carro sempre. Rádio. Com jabá ou sem jabá, o espaço pro acaso. Músicas antigas que lembram épocas, vozes novas, aquela pra cantar junto, aquela pra chorar no trânsito, aquela péssima que faz trocar correndo de estação.

Nem sempre o que impulsiona o dedo no dial é isso, claro. Às vezes, quase sempre, muito, rola o proibidão, aquelas que dizem o que a gente não pode ouvir naquela hora, que jogam o pensamento prum lugar onde não se pode ir ali, assim, no susto, e a fuga estratégica pro mais longe possível daquele som é necessária e honrosa. De vez em quando o sentimento é pego pelo pé e quando se vê as lágrimas já estão na pose, prontas pro mergulho de cabeça, mãos esticadas na frente do rosto na beirinha da piscina dos olhos e aí é se entregar. Chorar no carro é bom, sabe? A individualidade máxima, você e sua máquina de ferro, entre gentes em máquinas de ferro, sua emoção preservada sem o silêncio da casa vazia.

Mas música é mais alegria, e ultimamente ela tem nome: Faceiro&Fascinante - coletâneas de axé-maravilha organizadas pela poeta parceira de zine. E tome dançar "Afreketê" na sala ensolarada de manhã antes do trabalho, e tome rebolar com Chico César "Quando saio na rua com meu filá escuto logo: Jimmy Cliff", segurar os quadris ao som do fone de ouvido que diz "prefiro uma cerveja a ti" e um sotaque pernambucano que fala "Betinha" com aquele T que é pura delícia. 

Muzga suave, pra doer joelho ou cotovelo, pra ficar rouca, pra perder a linha, entorpecente, emocionante, vibrante, pra dar vexame na rua, pra andar, pra dormir, pra acordar, pra fazer sexo, pra fazer sucesso, pra ninar.


|Maria Rezende

(o tema era música - precisa dizer? 
pra ler os coleguinhas 
e seus textos deliciosos: 
www.nomedacousa.com
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3:16



























3.10.11

Ecos da Bienal


Recebi essa semana um email carinhoso do pessoal da Bienal agradecendo a minha participação, com essas duas fotinhas de presente. Imagina, como se não fosse eu que tivesse que agradecer, a eles e à Elisa que não pôde ir e me indicou pro seu lugar, por estar ali naquele parque de diversões do livro! Foi uma noite deliciosa que me rendeu prazeres muito além dos vividos ali, como eu contei aqui, então nunca é demais celebrar!