7.12.11

Duas Irenes, eu e a literatura

"A primeira vez em que eu me apaixonei eu amei tanto essa paixão que disse não quando o garoto quis me namorar. (...) O que eu sabia era que havia poesia em me manter entrincheirada na janela de minha sala de aula olhando para ele. O resto era prosa. Miolo de pote."
"Eu esperei dela o que eu me daria, mas ela foi mais generosa que eu."
"Odeio gente gentil. Gentileza não é coisa natural, é sem princípios. Gentileza é invenção de vendedor. Valorizo gente verdadeira. E a atenção e o cuidado que se enraízam em sentimentos deixam de ser gentileza. São: atenção e cuidado. Verdade."
"Eu teria dado, de bom grado, dinheiro. Se tivesse trabalho. Eu teria dado a chave do carro. Se tivesse uma porta pra abrir. Eu teria dado uma caixa de bombons. Se tivesse tempo. Eu teria dado amor. Se tivesse."

(Adrienne Myrtes em Eis o mundo de fora)


"Como descrever o amor, o amor que acontece de forma exagerada, amro sem limite, amor sem razão, o amor enlouquecido? Sim, os sentimentos do mundo não cabem em palavras. Tentamos de fato esticá-las, decerto tentamos moldá-las, mas elas, as palavras, teimosamente, elas não nos acompanham - a paixão, dois jovens na estação de metrô, rapidamente nós os vemos, eles se beijam, impossível descrever com palavras aquele instante de paixão, o trem parte, eles ficam na estação, impossível, imagens rápidas, as palavras não dão conta das imagens, as palavras não dão contado abstrato, as palavras, senhores, as palavras não dão conta da vida - descrever o amor, impossível: as palavras não acariciam, não tocam a língua, não se esfregam, não gemem. As palavras não gozam."

(Nilza Rezende em Bocas de mel e fel)


Quatro mulheres. Nilza. Adrienne. Duas Irenes. Não, cinco. Eu, Maria, também. Adrienne e Nilza escreveram. Durante anos, em silêncio, com técnica, com paixão, se derramando, pensando, sentindo, com esforço, com prazer, vencendo dificuldades, libertando segredos, inventando vidas. Eu, Maria, li. Agorinha, esses dias. E me espantei com o que li. Literatura. Histórias e linguagem se enroscando daquele mais delicioso jeito. Prosas diferentes, com gosto próprio, ritmos que te pegam pela mão e te guiam pelas páginas. Cada uma com o seu. 

E de repente o espanto: serão duas Irenes? É possível isso? Era. É. Histórias tão diferentes, uma mulher refém das convenções sociais, dividida entre dois homens, outra mulher rompedora de regras revisitando dores numa visita à família. Duas mulheres que não sabem viver o amor. "O amor e eu não fomos feitos um pro outro", diz a Irene de Adrienne. "O amor não é tudo na vida, respondi como se precisasse sempre sujar a alegria", diz a Irene de Nilza.

Em Bocas de mel e fel quem comanda é ela, Irene. É por ela que sabemos deles, Antônio, Pablo, é ela que nos conduz. Eis o mundo de fora tem duas vozes: Irene e Luis. Ela dura, prática, ele derramado, intenso. Cada um com seu tempo, com suas tramas, seus pontos de vista, e assim vamos navegando entre versões, bocados de história aqui e ali, pela boca de um e de outro.

Dois romances que me tiraram do prumo. Nilza é minha tia, e eu conheço muito e adoro sua literatura vertiginosa e desmedida, desde o incrível "Um deus dentro dele, um diabo dentro de mim", que me tomou de assalto quando foi lançado. Adrienne foi presente pernambucano, companheira de Mostra Sesc de Literatura Contemporânea mês passado, e foi com genuíno espanto que devorei seu livro em tardes e noites de hotel e anotei suas frases - quase versos - no caderno de anotar coisa boa no voo de volta pra casa. 




Nilza. Adrienne. Duas Irenes. Antônio, Pablo, Luis. Misturem-se com essa gente. Bagunça a cabeça e dá um direto de esquerda no peito, às vezes, mas como é bom sentir assim, livro na mão, letras nos olhos, admiração e espanto bom.

3 comentários:

Pedro Cezar disse...

Eita! Vou correr atrás desses livros!!

Iaceê disse...

Os dois tocam no ponto: parece impossível descrever o amor, no mundo de fora, com as vozes de dentro!
Seu chamado desperta a vontade de "devorar" os dois mundos nesses livros!

maria rezende disse...

Queridos, corram atrás e devorem que vale a pena! O da Adrienne já soube que só no site da editora, o da Nilza tem nas melhores casas do ramo!
Beijos!