Poesia é ouro sem valia (Ferreira Gullar)
Com a poesia é assim mesmo. Não só por vender pouco, o poeta sabe que não escreve para vender.
De quando em vez, vem um poeta jovem me pedir que lhe consiga uma editora para publicar seu livro de estreia. Só estando com a cabeça na lua para pretender uma coisa dessas. Para consolá-lo costumo citar o exemplo de poetas, hoje consagrados, que tiveram que publicar seu primeiro livro a sua própria custa. Mas tem que ser assim mesmo, já que livro de poesia vende pouco e de poeta desconhecido não vende nada. Nenhum editor, em seu juízo perfeito, entra numa fria dessas.
Lembrei-me disso ao escrever um texto sobre Manuel Bandeira e mais uma vez deparei-me com o assunto. A edição de seu primeiro livro de poemas "A Cinza das Horas", foi paga por ele; a do segundo, "Carnaval", a mesma coisa. Só vários anos depois, teve um livro lançado por uma editora.
E Carlos Drummond de Andrade? Seu primeiro livro, "Alguma Poesia", apareceu como lançado pelas Edições Pindorama, que não existia, por ter sido, na verdade, impresso na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais e pago pelo poeta em suaves prestações, descontadas de seu salário. O segundo livro, "Brejo das Almas", saiu por uma cooperativa; o terceiro, "Sentimento do Mundo", ele pagou de seu bolso e distribuiu toda a edição (150 exemplares) entre amigos e escritores. Só o quarto livro -aos 40 anos de idade- foi lançado por uma editora, a José Olympio, que passou a editá-lo.
Mas estes são apenas uns poucos exemplos, entre os quais poderia incluir-me, pois não teria editado meu primeiro livro se não fosse a ajuda de minha mãe. O segundo livro, paguei-o de meu bolso. Só tive um livro de poemas lançado por uma editora - que faliu em seguida - 13 anos após minha estreia. Acolhido por uma editora importante, somente 30 anos depois.
Com a poesia é assim mesmo. E não só por vender pouco; também porque, no fundo, o poeta sabe que não escreve para vender. Lembro-me que eu mesmo diagramei "A Luta Corporal", um livro tão fora das normas que provocou um atrito com a gráfica que o imprimiu. É que poeta não quer apenas escrever os poemas; quer fazer o livro mesmo. Poeta gosta de fazer livros. Por exemplo, João Cabral, quando estava em Barcelona, comprou uma pequena gráfica artesanal em que editou "Psicologia da Composição" mas também livros de outros poetas brasileiros e espanhóis.
Exemplos não faltam. Décio Victorio, os poucos livros que publicou, ele mesmo os diagramou, escolheu o tipo de letra, o papel, o tamanho, tudo, e pagou uma gráfica para compô-los e imprimi-los. Quando tomei a iniciativa de conseguir uma editora que lançasse seus livros, rejeitou.
Outro exemplo é Cláudia Ahimsa. Ela bolou todos os seus livros, buscou uma gráfica, pagou e os editou. No último deles, então, "A Vida Agarrada", até a capa foi criação sua, capa que já é, por si só, uma obra de arte: ela se fez fotografar sem a cabeça, num vestido que parece ao mesmo tempo renda e rede de pescar, com vários caranguejos vivos, presos a ele. Para completar, os seus braços, que parecem metidos em luvas, estão na verdade pintados de azul cobalto.
Não se pode esquecer, além do mais, que as novas tecnologias favorecem essa mania dos poetas de produzirem não apenas os poemas mas também os livros.
Foi o caso da Geração Mimeógrafo que, como o próprio nome diz, nasceu com o mimeógrafo e se valeu dele para fazer seus livros. Neste caso, juntaram-se alguns fatores que lhe imprimiram um caráter próprio: a redescoberta do poema-piada de Oswald de Andrade, que inspiraria poetas como Leminski e Chacal. Eles o usaram como um modo de reagir à censura imposta às artes pelo regime militar.
É verdade que a censura prévia - que vinha restringindo a atividade do teatro, do cinema e da música- os milicos não conseguiram impor ao livro, graças à pronta reação de Jorge Amado e Erico Verissimo, que ameaçaram não mais editar seus livros no Brasil.
Fora isso, o mimeógrafo veio facultar aos poetas jovens imprimir seus próprios livros, sem ter de recorrer a editoras. Eles os imprimiam e iam vendê-los nas ruas, nos bares, na porta de teatros e cinemas. É claro que assim ganharam a simpatia dos leitores, tornando-se conhecidos e, graças a isso, despertaram o interesse dos editores.
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Eu me identifico com um tanto e discordo de outro. Eu editei sozinha o substantivo feminino, meu primeiro livro: mão na massa, aula de Page Maker pra diagramar, disquete na gráfica, poupança raspada, o prazer do fazer artesanal. Fiz assim porque quis e porque teve que ser. Eu não tinha editora. Eu nem procurei. Eu quis fazer meu livro. Eu. O segundo eu paguei mas não fiz, quem fez foi a 7Letras. Poupança raspada de novo, escolhi a fonte, o papel, a capa, mas não dirigi pra Madureira nem vi a máquina de onde iria sair o Bendita Palavra depois.
A parte que eu discordo é a de que poesia não vende. Porque o fato é que eu vendo. Eu vendo, gente. Falei isso pro Jorge lá na 7Letras quando cheguei e a palavra se cumpriu: a 1a tiragem de 600 livros se esgotou em seis meses, e a 2a de mais 500 exemplares já tá ficando magra. É curioso pensar sobre isso no momento em que eu finalmente preparo a 2a edição do substantivo feminino, nove anos depois do lançamento, quatro anos depois da tiragem inicial de mil livros, independente, sem editora nem livraria, ter esgotado. Agora eu terei a alegria de uma parceria, com a Thereza Christina e a sua Ibis Libris, e é sensacional ter uma editora que acredita que poesia vende sim e que, em seu juízo perfeito, publica os poetas. E vamos vender!
Um comentário:
Também acho que poesia vende, sim... Eu compro! Sucesso nessa segunda edição!
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