16.2.12

Ornitorrinco #23 - Carná


- OLHA-LÁ -


      Tem a ver com música e com dança e fantasia, coisas que muito me aprazem. Tem a ver com alegria, e com liberdade e euforia, que também estão na lista do que agrada por aqui. E ainda assim carnaval não é pra mim. Nunca fui ao Nordeste nessa época, poucas vezes desfilei e o carnaval de rua do Rio me viu pouco e há muitos anos.

      O 'não' tem a ver com sol na cuca, multidão e bebedeira, itens aparentemente imprescindíveis na folia carioca atual. Muita gente reunida sob os efeitos estimulantes do álcool embaixo de um sol de rachar pra mim não combina. Mesmo que a música seja boa, os figurinos divertidos, que seja possível dançar.

      Eu gostava mesmo era dos carnavais de Andrelândia da adolescência. Lá na pontinha de Minas, uma cidade daquelas com rua que sobe, rua que desce, praça da igreja no meio, e bem em frente a casa da minha bisavó. Férias, feriado, fim de semana caprichado e lá ia eu brincar de ser mineira, mergulhar na cachoeira, passar frio na madrugada, cantar no meio da rua, deitar no banco da praça. Todo mundo bebia muita pinga com refri, grandes amores duravam uma temporada, eu bebia guaraná e comia ki-bamba, um chocolate pequeno recheado de marshmelow que só achava lá. E quando era carnaval, bailes no Clube Campestre.

      A orquestra tocava a noite toda, marchinhas antigas e sambas atuais. Os cantores de terno, as crooners de vestido dourado fazendo passinhos pros lados e mexendo as mãos em sintonia. Era ridículo, era brega, era doce, era genial. A gente girava pelo salão, de roupa civil: jeans, casaco, tênis. Cheirava-se loló, enchia-se a cara, famílias dançavam na pista, beijava-se na quadra lá fora. Não tinha baiana nem bateria, não tinha fantasia, mas alegria sobrava. Tinha sotaque mineiro, o sol nascendo pela rua deserta enquanto a gente voltava a pé pra casa.

      De dia tinha música na praça, e numa tarde, sábado ou domingo, o Bloco das Piranhas. Começava com todo mundo reunido numa casa e as meninas arrumando os meninos, gargalhadas e farra entre batons vermelhos e meias arrastão. Muitas pingas depois lá iam eles fazendo seus trejeitos rua acima. Confete, serpentina.

      Isso já tem muitos anos. Andrelândia continua lá. Eu aqui. Todo ano tem carnaval, dizem. Tô pensando em tentar de novo. Ainda não tenho fantasia. Acho que vou de solteira.


_Maria Rezende

(então agora eu já tenho fantasia. peruca de cachos afro. máscara de penas. sombra laranja e roxa. rímel azul. batom laranja. aplique de cabeça rendado. saia rodada. é oficial. esse ano vai ter carnaval.)

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