11.6.12

Ornitorrinco #31

A ediçao #31 ficou supimpa. Era pra falar de uma 3a feira aí, e eita que o pessoal pirou e cada texto foi prum lado, deliciosamente.

Pra ler tudinho em versão deluxe clica aqui ó.

Pra ler o meu, continua lendo ué.



OLHA-LÁ 

A 3a feira

.acordar sozinha e feliz embaixo de borboletas brancas e pássaros em pleno voo
.adolescentemente empilhar roupas sobre a cama
.como se já não estivesse na hora de sair, costurar a calça que decidiu usar, herança de figurino de filme, os quadris da atriz quase exatamente iguais aos seus
.café-da-manhã com morango e mamão no banquinho da cozinha ouvindo a nice contar sobre a moça expulsa pela avó com o bebê de um mês que ela acolheu em casa
.pagar a nice com o dinheiro do salário da fátima, diarista da casa do horto onde é sua ilha de edição - como sempre o fim do mês chega de surpresa
.sair atrasada e encontrar o carro preso na vaga pelo do seu luís, do 602, que se recusa a deixar a chave na portaria
.mal humor caindo feito um raio sobre a cabeça, com raiva no coração e palavrões em voz alta
.espanto com o mal humor, artigo realmente raro nas manhãs
.cantar pneu ladeira acima quando finalmente, dez minutos depois, o carro sai da garagem
.não achar vaga na rua do trabalho em botafogo - empresa grande, vaga é ouro -, mais palavrões pro homem do vaga certa que insistiu que o carro cabia na vaga em que ele claramente não cabia
.palavrões a caminho do estacionamento pago 
.ódio no coração ao ver que o carro teria mesmo cabido na vaga se o homem do vaga certa tivesse empurrado o da frente - coisa que ele só faz pra quem paga uma grana mensal e deixa a chave - rárárá, homem do vaga certa, eu nunca deixarei com você a minha chave
.trabalho normal, silencioso
.mensagens amorosas no telefone, desejos de praia e mergulhos e reconhecimento do privilégio do encontro
.comidinha da ceição no refeitório da empresa com papo com nívea, da recepção, sobre as condições de trabalho e a equação freela x carteira assinada
.emails de trabalho, negociação de salário, ainda desconfortável, mas cada dia menos - aprende-se, na vida, e como é bom
.telefonema da moça que quer um gatinho, planejamento da entrega do gatinho
.terapia, nenhum assunto candente, risos ao contar da bronca da osteopata e da proibição de atividades na vertical, a percepção de que apesar do fim-de-semana de absoluto relaxamento o corpo está cansado, talvez porque a decisão de que em três semanas haverá férias o deixe livre pra finalmente protestar contra o trabalho contínuo do último ano e meio
.sacar dinheiro para repor o pagamento da fátima, a diarista da casa do horto, e no caminho comprar empadas na lanchonete em frente ao ponto de ônibus que leva do trabalho à casa, quando está trabalhando na sua própria sala
.limpeza de pele: muita dor e uma inédita resistência à dor, e no fim o prazer do rosto lisinho, modelo bunda de bebê
.passar na casa do horto e deixar o pagamento da fátima sobre a mesa, e sentir saudades de estar ali
.chegar em casa já na hora de sair pra exposição da suzanna mas no laptop há pequenas pendências: pagar contas, escolher pantufas na internet, responder emails, enviar mp3 de poemas pro samuel do radiocaos
.aceitar que apesar do muito desejo não vai à exposição da suzanna - uma pena, saudades, vontade de ver o globo terrestre girar com as belezas dela
.nhoque de aniversário da fabi, comida delícia sem nota de um dólar embaixo do prato, conversinhas com mel e paula, papos com amigos que há tempos não via, vinho na calça nova de linho, sabão de coco transformando magicamente a mancha vermelha em azul, perna direita úmida, frio, cansaço, bolo feito em casa, morangos, merengue, alegria
.taxi pra casa com ana e flavinho, calça de molho na bacia, demaquilante, creme no rosto, escova de dentes, camisola, cobertores, revista marie claire, pílula, ar condicionado, silêncio, interruptor do abajur, escuro, sono

_Maria Rezende

Nenhum comentário: