Cresci vendo minha mãe lutar pra superar um medo de avião que nasceu junto comigo, sua primeira filha. Muita gente passa por isso: começa a ter medo de morrer quando tem filhos.
Talvez por ainda não ser mãe, nunca tive medo de voar, apesar do momento da decolagem ser uma das raras ocasiões em que eu tiro da gaveta as rezas que aprendi quando criança. Mas lembro sempre do meu tio Chedid querido, piloto de avião durante anos e que morreu numa estrada a caminho de Minas, comprovando a tese de que é muito mais provável morrer num acidente de carro do que num acidente aéreo. Tanto, que costumo considerar essa possibilidade como nula, e tenho a mais absoluta certeza de que isso nunca, nunca vai acontecer, nem comigo nem com ninguém.
Uma tragédia como essa de ontem com o avião da Gol destrói essa certeza fantasiosa e confortável. Assim como acontece com os carros, os aviões também têm problemas técnicos, e seus "motoristas" podem tomar decisões equivocadas. Hoje essa tragédia dominou as conversas, e minha mãe me disse chocada durante o almoço que minha irmã entrou na lista dos passageiros e levou um susto ao ver meu nome lá: Rezende, Maria.
Não resisti e entrei agora no Globo.com e lá está ele, o nome que é meu, mas felizmente não é o MEU nome, mas o nome de outra Maria Rezende que provavelmente não resistiu à queda. E é tão chocante, tão surreal ler um nome que é o seu numa lista de mortos numa queda de avião, tão insano o avião cair, tão inacreditável tanta gente morrer assim, sem nem saber, e alguém como meu nome estava lá.
Gente de quem eu mal me lembro sabe o meu nome, e me apresenta aos amigos: "essa é a Maria Rezende, aquela poeta que eu te falei". Meu nome está na capa do meu livro, no contrato de aluguel do meu apartamento, nas contas que chegam aqui em casa, no cartaz do curta que fiz com o Rodrigo e nas dezenas de filipetas que a Marianna Cersósimo criou pro Te vejo na Laura. Está como remetente de todas as minhas mensagens de e-mail, gravado no celular de um monte de gente pelo Rio de Janeiro afora, e nos créditos finais de todos os vídeos e filmes que eu já editei.
E o Google já tinha me dito que esse nome não é só meu, há muitas e muitas Marias Rezendes pelo Brasil afora, mas só uma delas entrou ontem num avião em Manaus (onde eu, essa Maria Rezende daqui, peguei um vôo da mesma Gol com escala em Brasília e cheguei em casa - hoje casa dos meus pais - e encontrei minha família e meu namorado amado, cheia de presentinhos indígenas e um tênis bacana pra compensar o dia dos namorados passado separado porque eu estava lá, trabalhando, em Manaus, e dormimos juntos, abraçados na cama de solteiro apertada, e eu fui feliz mas não tinha idéia de quanto) e só uma das muitas Marias Rezendes brasileiras ontem não chegou em casa.
Ler meu nome ali é um alívio e é cruel, me joga de pára-quedas na dor de gente que eu não conheço, e ao mesmo tempo me finca os pés aqui, no meu universo, onde Maria Rezende sou eu, essa, poeta, montadora, namorada do Rodrigo, filha da Mariza e do Sergio, irmã da Julia e do Tiago, neta da Nilza, da Elza, do Lauro e do Valério, bisneta da vó Nair, amiga de infância da Camila, da Fê, tia emprestada da filha da Sol que vai nascer, futura mãe da Luzia e de um menino ainda sem nome, que o pai vai escolher. É bom demais ser eu aqui.
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