10.5.11

O risco, agora pra valer


"Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois", diz a Dona Doida da Adélia. Eu fui ali palco do Ocidente e estou voltando agora, quatro noites depois.

Foi uma vertigem, foi um susto, queda livre, um descontrole.
Foi intensivão de aprender a errar, com aula de humildade de brinde.
Teve aplauso, teve silêncio, teve beleza e medo, timidez e a maior exposição que eu já vivi.

A tarde foi de preparativos, com a ajuda da mais nova querida amiga gaúcha, Natália Chaves Bandeira. Eu e Nat penduramos em cabides as várias peças de roupa branca sobre as quais eu inventei de projetar o vídeo, e penduramos esses cabides em fios de nylon gigantes com a ajuda do Mig, e essa brincadeira engoliu metade da tarde.

Depois teve teste de som, de projeção, invenções de cenário, a descoberta de que eu teria que usar um microfone e caramba, como fazer as ações que eu planejei com uma das mãos ocupadas? Teve ensaio silencioso dos poemas, da ordem dos fatores, ajustes nos vídeos, e de repente já era hora de vestir o figurino e de repente a casa abriu e o Fernando Ramos disse "Você vai ser a primeira, tá pronta?", "Claro que não, não tinha quatro pessoas antes de mim?!", "Elas não chegaram, você vai ser a primeira, não precisa correr, se apronta".

Pra quem vem de anos de segurança absoluta, decide o repertório de poemas minutos antes de subir no palco, e escolhe a roupa que vai usar na hora de sair de casa, foi um espanto quão alto meu coração era capaz de bater, e como eu podia de repente ter dez anos e um medo enorme de errar e uma vontade louca de desistir.

E era possível desistir de muita coisa. Ninguém sabia o que eu ia fazer, então pra que usar o figurino que seria lentamente descomposto pra me deixar só com a linda combinação que a querida Mel Akerman me emprestou? Era possível esquecer o conceito da mulher que chega em casa tarde da noite e vai se despindo de roupas e sentimentos, pra no final se vestir de novo e ir pro mundo nos braços da esperança. Era possível, mas seria nivelar por baixo, e eu demorei tanto pra chegar ali, naquele banheiro de bar, com aquela malinha de roupas em cima da privada, que eu não ia deixar por menos.

Subi no palco semi desfalecida, subi no palco como se não tivesse a menor idéia de pra onde ir depois, do que fazer ali. Foram vinte minutos suspensos no ar. Muita coisa funcionou mais do que eu imaginava, outras me deram rasteiras que eu não esperava. Conheci pessoalmente a minha falta de preparo pra cena, inversamente proporcional à minha destreza dizendo meus versos. Tenho muito o que aprender, o espetáculo tem muito o que mudar, e isso me assusta e me seduz, me encanta me deixando em suspense.

Recebi muitos aplausos e abraços carinhosos, de gente conhecida e desconhecida. Ouvi elogios pela beleza de uns poemas, pelo encanto de uns vídeos, pela força da minha presença. Ouvi críticas ótimas, eu que sempre disse que não se critica alguém que acaba de sair do palco fui criticada assim e gostei, e fiquei boba com a minha capacidade de gostar e pedir mais. Ouvi da Letícia Bertagna, minha amiga querida artista plástica e performer e atriz. Ouvi da Cris Cubas, do Cabaré do Verbo, performer e co-produtora da FestiPoa. Ouvi do Miguel Baierle, namorado dela e fotógrafo do evento. Ouvi do Fernando Ramos, meu agente literário internacional e organizador dessa festa deliciosa, o grande responsável por eu estar ali falando e ouvindo tanta gente.

Tudo isso foi logo em seguida, mas a verdade é que só hoje, terça-feira à noite, só agora eu tô descendo daquele palco. Só hoje consegui ver o vídeo que a Nat gravou com a minha camerinha, e gostei de me ver ali, mais nua do que aquele pano cor da pele demonstra.

Ah, então é assim se arriscar?
Ah tá, entendi.
Digo e repito há anos esse poema mas agora entendi no corpo, fiquei transparente, vazada, tela em branco, folha solta no ar.
Foi bom e foi ruim, desconfortável e lindo, emocionante, frustrante, intenso pra caralho.
Era a minha estréia e eu fui.
Não faltei não.
Deu vontade.
Mas não.
Então o risco é assim.
Venha, meu filho, que eu te dou colo.
Venha me tirar do chão.

4 comentários:

Anônimo disse...

Mary,
Costumo dizer isso da minha irma, mas vc tb tem, e mto, o dom da palavra!
Lindo!
Parabens!!! Quero ver ao vivo!!
Bj.
Beta

maria rezende disse...

Que bom, querida! Obrigada! Daqui a pouco rola aqui, mais bem acabado, claro! ;)
Beijo, Mary

Pedro Cezar disse...

que emocionante e que legal ler esse texto!!
Agora vou ver o vídeo!!!

maria rezende disse...

Beta! Amei a visita! Pode esperar que daqui a pouco chega no Rio ainda mais lindo!