31.1.12

Depois melhora mas primeiro é assim

SEPARAÇÃO

 (Affonso Romano de Sant'Anna)



Desmontar a casa 
e o amor.
Despregar 
os sentimentos 
das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas 
após a tempestade 
das conversas.



O amor não resistiu 
às balas, pragas,
flores, 
e corpos de intermeio. 


Empilhar livros, quadros, 
discos e remorsos. 

Esperar o infernal 
juízo final do desamor.



Vizinhos se assustam de manhã 

ante os destroços junto à porta: 

- pareciam se amar tanto!

Houve um tempo: 

uma casa de campo, 
fotos de Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.



Amou-se um certo modo de despir-se, 
de pentear-se. 

Amou-se um sorriso e um certo 
modo de botar a mesa.
Amou-se 
um certo modo de amar.



No entanto, o amor bate em retirada 

com suas roupas amassadas, tropas de insultos, 

malas desesperadas, soluços embargados.



Faltou amor no amor? 

Gastou-se o amor no amor? 

Fartou-se o amor?


No quarto dos filhos 
outra derrota à vista: 

bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora 
envergonhado.



Erguerá outra casa, o amor? 

Escolherá objetos, morará na praia? 

Viajará na neve e na neblina?



Tonto, perplexo, sem rumo 

um corpo sai porta afora 

com pedaços de passado na cabeça 

e um impreciso futuro. 

No peito o coração pesa 

mais que uma mala de chumbo.

***

Affonso escreveu sobre o filme iraniano Separação, e na onda postou no Facebook esse poema lindo dele. Sim, Affonso, o poeta incrível, ele mesmo, Affonso Romano de Sant'Anna, tem Facebook. Adoro. E esse poema, eita ferro, dói até quando a gente ainda nunca passou por isso, que dirá quando já. Ainda bem que a vida, essa chacrete sacana, roda roda e avisa que depois melhora. Afe. Ufa.

Um comentário:

Mariza Leão S disse...

Ia, raramente li um poema tão raio x.
Que lindeza !