Eu tinha que sentar pra escrever. O mote do editor dessa vez era: "Vale a pena ter um filho e apostar no progresso da sabedoria se perpetuando na história? Ou é melhor tirar a roupa e cair no carnaval sem hora, nem dia, nem corpo pra voltar pra casa? O mundo tá dividido entre os que estão acreditando no fim do mundo e os que estão acreditando que o mundo vai melhorar. Como é que é?". Eu ainda não tive um filho, e minha contribuição pra sabedoria se perpetuando na história até o presente momento se dá escrevendo. E vivendo a minha própria vida, claro. Em compensação, como anunciado no Ornitorrinco #23 - Carná, esse ano teve carnaval. Com hora e dia e corpo pra voltar pra casa - 5a feira de cinzas, aqui estou. Mas cabeça pra escrever, aí já é outro papo.
Então eu sentei na tv com um potinho de quinoa com legumes e uma limonada sem açúcar e zapeei até chegar em: "A história do mundo em duas horas". Taí, eu pensei, vamos ver como essa coisa de fim do mundo versus melhorar vem rolando nos últimos 14 bilhões de anos. Já tinha passado meia hora das duas então eu perdi o Big Bang, as moléculas se unindo, os seres aquáticos, cheguei já na hora em que os anfíbios desenvolveram os ovos com casca e assim conseguiram levar o mar junto com eles pra onde fossem, e puderam conquistar a terra. Em mais uns vinte minutos já tinha rolado uma extinção em massa que gerou o surgimento dos dinossauros, e eu descobri que durante 160 milhões de anos foram eles os responsáveis por evitar que nós, os mamíferos, ganhássemos espaço. Bicho que mamava naquele tempo era só bicho pequeno, e foi por isso que quando um asteróide gigante bateu na Terra nós - eles - sobreviveram: quem era grandão morreu, bye bye Tiranossaurus Rex, hello primatas. Em uma hora de filme os macacos já tinham virado homens, já faziam ferramentas rústicas, desenvolviam a fala e as pinturas nas paredes das cavernas.
Daí veio uma parte que eu nunca tinha entendido sobre a era do gelo e a povoação do planeta. Os continentes já tinham se dividido em dois, com o oceano no meio, e como é que neguinho, que habitava só a África, passou pro lado de lá/cá? Pois foi que a Era do Gelo trouxe frio mas ao congelar um tanto da água da Terra baixou os mares e fez surgir uma ponte de terra firme, e foi por ali que o pessoal se espalhou pra todo lado. Quando o gelo derreteu pimba, cada um no seu quadrado, se virando com o que tivesse à mão. A galera da África se deu bem porque lá tinha um clima legal pra plantar e animais que topavam ser domesticados, e aí adivinha? Surgiu a agricultura! E como os alimentos que eles plantavam tinham safras só uma vez por ano e ao mesmo tempo, neguinho teve que inventar um sistema de armazenamento, de contagem, uma organização pra não faltar comida e de quebra um exército pra defender o estoque. E aí pimba: vieram as cidades, de quebra as pirâmides e outras belezas. Em outros cantos com menos sorte a solução era seguir como antes mesmo: caça, pesca, cabaninhas.
Fiquei sabendo de um monte de coisa. Pense nos cavalos, que viviam nas Américas mas por alguma razão que não se explica foram totalmente extintos e só sobreviveram no mundo porque alguns deles tinha usado aquela mesma ponte e ido pros lados de lá, e só voltaram a pisar aqui quando Colombo chegou? E o açúcar? Que só existia na Ásia e foi parar na Europa com os cruzados mas não pegava nos campos de lá, e foi a principal razão pro tráfico escravo, pra servir de mão de obra nas plantações de cana por aqui? E o fato de que o cara que descobriu a pólvora estava tentando fazer um elixir da vida eterna e acabou fazendo o da vida mais curta? Mais ou menos tudo isso. Por aí. Alguma coisa assim. Foi muita informação, saber o mundo tão rápido deixa a gente meio tonta, e caramba, eu ainda tive que dar umas fugidas pra pegar sorvete e cozinhar uma salsicha que o cérebro gastou a quinoa prestando muita atenção nos primeiros quarenta minutos.
Aí no final das duas horas era o mundo de hoje, século 21, modernidades, Iphones, internet, papapá. 14 bilhões de anos. É tipo infinito, né? É tipo tentar medir o amor. Ou explicar ele. O mundo vai acabar? Vai melhorar? Ele já acabou e já melhorou tantas vezes. 14 bilhões de vezes. Ontem mesmo. Hoje. Agora. Quando uma menina que eu amo segura meu dedo indicador pra equilibrar seus passos ele melhora. Quando uma menina que alguém ama é violentada num ônibus em movimento ele acaba. No dia em que minha tia perdeu seu grande amor sem saber que levava na barriga um filho dele o mundo acabou. Quando essa menina nasceu ele melhorou. Quando alguém se apaixona, ele melhora. Quando alguém é humilhado, acaba. Quando eu desisto, ele acaba. Quando eu insisto, melhora.
Eu insisto.
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Palavrinha do editor:
Ô, participe das nossas discussões e exposições de notícias relacionadas com o universo do ORNITORRINCO e o tema da semana. Basta acessar o nosso fórum no facebook: http://www.facebook.com/ornitorrincozine. Seus comentários serão muito bem lidos. Mais fácil que isso só cantar Ivete com a boca cheia de camarão.
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Um comentário:
Lindo texto, repleto de esperança, de amor, de vida...Ainda bem que existem pessoas boas,positivas que decidiram insistir, Isso não deixa o universo acabar,a centelhas de luzes emanadas por quem insiste.
Eu insisto.
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