4.2.13

Três caquinhos de Henry Miller

"A vida real começa quando estamos sozinhos, face a face com o nosso eu desconhecido. O que acontece quando nos encontramos é determinado por nossos solilóquios interiores. Os acontecimentos cruciais e realmente essenciais que marcam o nosso caminho são fruto do silêncio e da solidão. Atribuímos muito a encontros casuais, nos referimos a eles como momentos decisivos em nossa vida, mas estes encontros jamais poderiam ter ocorrido se não nos tivéssemos preparados para eles. Se possuíssemos mais conhecimento das coisas, estes encontros fortuitos renderiam ainda maiores recompensas. É somente em certas ocasiões imprevisíveis que nos encontramos plenamente sintonizados, plenamente atentos e em posição de receber os favores da fortuna." (página 29)


"Hoje parecemos movidos quase exclusivamente pelo medo. Tememos até aquilo que é bom, que é saudável, que é alegre. E o que é um herói? Em princípio, alguém que conquistou seus medos. É possível ser um herói em qualquer domínio; nunca deixamos de o reconhecer quando ele aparece. Sua virtude singular é que ele se unificou com a vida, se unificou consigo mesmo. Tendo deixado de duvidar e questionar, ele acelera o fluxo e o ritmo da vida. O covarde, par contre, procura obstruí-los. Não obstrui nada, é claro, a não ser a si mesmo. A vida continua, quer atuemos como covardes ou heróis. A vida não tem outra disciplina a impor, se apenas percebêssemos isso, em vez de aceitar a vida sem questionar. Tudo aquilo a que fechamos nossos olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, serve para nos derrotar no final. O que parece desagradável, doloroso, maligno, pode se tornar fonte de beleza, alegria e força, se encarado com uma mente aberta. Cada momento é uma mina de ouro para aquele que tem a visão de reconhecer isso. A vida é agora, cada momento, não importa que o mundo esteja cheio de morte. A morte só triunfa a serviço da vida." (página 77)


"Todo engenho, todo trabalho penoso gasto nas invenções, que são encaradas como maravilhas que operam milagres, deve ser considerado não só como mero desperdício, mas também como um esforço do homem para impedir e evadir o miraculoso. Entulhamos a terra com nossas invenções, nunca sonhando que possivelmente sejam desnecessárias - ou desvantajosas. Criamos espantosos meios de comunicação, mas chegamos a nos comunicar uns com os outros? Movimentamos nossos corpos de um lado para o outro em velocidades incríveis, mas será que chegamos realmente a deixar o lugar de onde partimos? Mentalmente, moralmente, estamos encalhados. O que realizamos ceifando cadeias de montanhas, domando a energia de rios poderosos ou deslocando populações inteiras como peças de xadrez, se nós mesmos continuamos as mesmas criaturas inquietas, infelizes e frustradas que éramos antes? Chamar tal atividade de progresso é extrema ilusão. Podemos obter sucesso em alterar a face da Terra até que ela pareça irreconhecível ao próprio Criador, mas se não formos afetados, qual o sentido disso?

Atos que possuem sentido não exigem nenhuma agitação. Quando as coisas estão se esfacelando, o ato mais intencional talvez seja sentar-se e ficar quieto. o indivíduo que consegue perceber e expressar a verdade que existe dentro de si pode ser considerado aquele que realizou um ato mais potente do que a destruição de um império. Nem sempre é necessário, além do mais, proferir a verdade. Embora o mundo se faça em pedaços e se dissolva, a verdade subsiste.

No princípio era o Verbo. O homem o encenou. Ele é o ato, não o ator." (páginas 99-100)

Henry Miller em "O mundo do sexo"

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